segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Coleira De Ouro (ou O Grito Se Cala No Medo)

Foto: Adam Chilson

          Bem, na realidade, não é de ouro.
           Só uma coisa em metal e pedrarias douradas que uma suburbana que monta bijuterias fez sob Minha orientação em troca de uma pouco menos do que razoável (Para Mim, claro) enrabada e meia dúzia de bofetadas.
            Well, também não é exatamente uma coleira.
           Mais uma espécie de gargantilha ou uma daquelas bobagens que travestis usam no pescoço para tentar esconder o pomo-de-adão.
             Mas como brilha bonita!
           Só menos do que o brilho canino nos olhos das vadias quando a veem.
§
           A pesada porta corre rangente como um gemido de escrava sobre o trilho metálico enferrujado.
           Quase no horário exato.
           As palavras no bilhete (Letras recortadas de jornais coladas sem cuidado) são poucas e não deixariam dúvidas nem para o (Limitado) raciocínio de uma fêmea: FIQUE NUA E ENTRE! (A nudez completa é o traje de espera da mera mulher que se deixará morrer para que nasça a escrava)
           Ambiente de realidade fake: poeira, paredes cariadas, manchas de umidade, às vezes tijolos aparecendo, sujeira indefinível no chão aqui e ali, objetos estranhos que um dia já foram alguma coisa reconhecível, ferro e ferrugem, um ou outro rato exercitando-se em velocidade. (Odor enjoativo de ruínas). Enfim, um galpão industrial abandonado igual ao de qualquer cenário de filme vagabundo.
          Vento invisível traz o frio de fora pelas aberturas dos vidros quebrados ou inexistentes das janelas enormes.
            - Maître Araignée?
            “Bem vinda à minha humilde casa!”, disse a aranha à mosca.
§
            A iluminação não ajuda.
           Um tanto mais gorda (Elas sempre são) do que na foto, mas carnes passíveis de serem apreciadas desde que manuseadas com mestria. Pelos morenos acima da racha embutida da boceta. (Os lábios ainda guardados na ausência de excitação) Poucos, curtos, quase imperceptíveis, mas lá. (Foi advertida, vai se arrepender).
            A iluminação não ajuda.
             O cabelo comprido atrapalha, não dá para ver bem o rosto. Mas que importância tem a aparência de um rosto de mulher? (Retorcidos na dor todos são lindos)
            - Maître Araignée?
            Amedrontada. (Na medida exata, como Eu gosto)
            A iluminação não ajuda.
           Mas, vitorioso, o brilho dos olhos da cadela fica imobilizado quando a vê reluzindo no chão entre a poeira. Ajoelha-se. Sorri hipnotizada. Coloca a coleira de ouro no pescoço e a acaricia com satisfação. (Algo mais previsível do que a previsibilidade feminina?)
            Um grito de horror soasse agora, ela não se abalaria.
            Por que então me perceberia chegando por suas costas?
§
           O puxão violento nos cabelos chega traiçoeiro antes mesmo da surpresa e do susto. O grunhido amedrontado salivando quente na palma de Minha mão. Os olhos querendo secar, arregalados no medo por não poderem se fechar, procurando inutilmente Me enxergar por trás do ombro.
            Respingos de minha saliva raivosa umedecem e esquentam seu ouvido.
           - Podia deixar, ninguém ouviria, mas detesto gritos. (Maior delícia ouvir uma escrava apanhar calada) Quer se arriscar a saber o que acontece se der um pio sem Minha ordem?
          Quase imobilizada, porém o insignificante balançar aterrorizado da cabeça é eloquente, “NÃO!”, apesar da ausência de som.
           Limpo a mão em seus cabelos e a arremesso pesada sobre seu rosto. O ruído estalado da bofetada fica escorrendo lento no eco do vazio.
            Novo puxão violento nos cabelos, a boca aberta apavorada.
            -Como se diz, ordinária?
            - Obrigada Maître Araignée! (Taí uma frase que invariavelmente me deixa de pau duro)
           Ela percebe e lambe o volume que aparece sem discrição por baixo do pano de minha calça.
          Torcido com violência, o minúsculo pedaço de carne de seu mamilo quase desaparece entre Meus dedos. (Fazê-la sentir a dor no corpo para experimentar o gozo na alma)
          Dor silenciosa grita de sua boca aberta. (Engole humilhada Minha  escarrada cuspida) Lindo ouvir como canta o silêncio na voz do corpo nu de uma mulher em sofrimento.
           O grito se cala no medo.
           Aparece a primeira lágrima de dor.
           - Quem lhe concedeu permissão para ter a ousadia de molhar Minha calça com essa baba de lambida de puta escrota?
           - Perdão, Maître Araignée!
§
           A agonia da humilhação ansiada.
           A sola da bota em sua nuca impede qualquer movimento de fuga (Bobagem, ela não quer fugir)
          O rosto esmagado contra a poeira escura do chão, as mãos tentando manter o equilíbrio instável, os joelhos arranhando-se incômodos no cimento áspero, separados ao máximo para realçar a bunda empinada e a boceta exposta começando a umedecer melada.
          Quase pronta para iniciar o caminho da maravilhosa transformação: uma mulher nua (Um monte de carne crua) vencida pela fêmea (Arreganhada sem pudor, gosmenta, quase espumante) entregando-se para ser dominada e, enfim, poder ser chamada de CA-DE-LA!
         Umedeço os lábios e passeio vagarosamente os olhos de cima abaixo por cada detalhe de suas carnes indefesas, enquanto lentamente (O suficiente para que o medo dela não congele) retiro o cinto de couro rústico. (A avenida do Meu prazer começa em qualquer ponto das carnes de teu corpo que Eu escolher para que Minha chibata dê o primeiro passo decidido no rumo da dor)
         A primeira vergastada, precisão certeira, queima as enrugadas pregas avermelhadas da boceta. (No teu tormento quem te faz com dor te faz com couro)
         Para a verdadeira escrava, a primeira chibatada é como a primeira mordida para o faminto, jamais será a última, jamais virá aquela que trará a saciedade. Uma fome angustiante sempre persistirá.
§
          - O que Eu lhe disse a respeito de pelos, ordinária?
         - Eles ainda estavam curtos para serem depilados. Arrependida. Piedade, Maître Araignée!
         O pontapé no vão de suas pernas dói mais do que o couro do cinto. (É tão mais humilhante chutar uma vadia)
          - Sempre podem ser raspados, égua descuidada! Vire-se!
         Costas contra o chão, braços abertos em cruz de desespero, mamas plenas de carnes deliciosas respirando fundo (Ansiedade, lógico), pernas dobradas, abertas sem resistência (Bobagem, ela não quer resistir), face suja de pó e pavor (Patética maquiagem de palhaço assustado) desmanchando-se silenciosa quando vê a navalha brilhando metal prateado saindo do bolso de minha calça. (Só cortei uma de leve, no seio, até hoje. Uso só  para amedrontar, mas agora...)
          Prendo entre os dedos um pequeno chumaço de pelos e puxo com força. Totalmente inesperada, a dor súbita inunda seus olhos inchados com lágrimas indecisas, sem coragem de rolar silenciosas pelo rosto ainda avermelhado pelo tapa. Pequenas gotas de suor crescem esparsas em sua testa.
          Estremece, porém, nenhum som (Já disse, o grito se cala no medo)
          Lambo o líquido salgado de seus olhos vermelhos com expressão sádica, enquanto passo o aço sorrindo gelado entre os lábios de sua boceta.
          - Então, prefere que Eu arranque esses pentelhos nojentos um a um?
          Inútil olhar suplicante por piedade.
          As pernas estão rígidas, mas ela as separa tanto quanto pode expondo totalmente a rachadura que parece incendiada na iluminação cada vez pior.
          A coleira de ouro brilha nervosa.
§
         O tapa forte na boceta escancarada, totalmente indefesa (Bobagem, ela não quer se defender), causa um sofrimento de intensidade única na fêmea. Ela balança a cabeça violentamente de um lado para o outro, lábios apertados, impotente como se estivesse amordaçada.(Por que chora tão séria e triste ante a minha sorridente brincadeira de criança sádica sem limites de perversidade?)
         Fluxo de suor escorre grosso pelo rego feminino entre seus peitos, derrama-se pelos flancos e molha o chão sujo.
         Minha língua, saliva grossa e quente de excitação, molha generosa os pelos, de vez em quando entra pela racha e volta encharcada de suco salgado de fêmea e a mistura vai ensopando os pentelhos. A navalha indecisa começa a andar ameaçadora sobre a pele (Acho que algum dia preciso mandar afiar essa porra) raspando, limpando, deixando à mostra apenas a branca pele nervosa pela agonia da raspagem. (É claro que quer gritar, mas sabe que não pode, não deve)
         Perfeito! Apenas carnes de fêmea à vista.
        Um pontapé menos agressivo coloca-a novamente de bruços. Agarro-a novamente pelos cabelos e sem piedade esfrego seu rosto no chão, obrigando-a a lamber a poeira de cor indefinida que cobre o cimento áspero.
         Afasto-me alguns passos e ordeno com serenidade.
         - Rasteje até Mim e lamba Minhas botas.
         Um simples estalar de dedos.
         Desajeitada, mas imediatamente submissa chega a meus pés e solta a língua ansiosa para fora da boca.
         - As solas, vadia! Não quero que emporcalhe o couro com essa saliva de puta suja!
        Lindo de ver. (E ainda há quem não compreenda porque as chamamos de cadelas)
§
         As margens do cu anunciam as pegajosas águas da escuridão funda de pântano que queima líquido. Meu dedo maior trabalha impiedoso no buraco pulsante numa mistura de excitação e dor. Rebola instintivamente auxiliando a penetração mais profunda. E lambe, e chupa e engole com sofreguidão a própria merda que Meu dedo lhe serve à língua, que devia repugná-la, mas que ela agora, incompreensível, deseja agradecer com devoção e só não o faz em palavras porque sabe proibida de emitir som.
        Apenas um aglomerado morno de pele e carne, músculos e nervos, um corpo voluntariamente exposto e entregue à indefinição do que Minha vontade deseje causar-lhe como sofrimento. (Quase lá, quase apenas um animal, dá para sentir)
        Agora três dedos enfiam-se decididos no mais profundo do sem censura de sua boceta, que palpita em ritmo cardíaco, até o osso doer dolorido na palma de Minha mão e conversam nervosos com o calor úmido de seus sucos interiores de fêmea no pré gozo. Um empurrão mais forte querendo dividí-la ao meio e o fisting se encaixa completo.
         Pareço ouvir vindo de dentro de seu corpo um leve ruído riscado, um inquietante odor ácido de mulher entra-Me pelas narinas e ela acende rápida e brilhante na gozada inevitável, como a chama de um fósforo. Atreve-se a virar o rosto para trás e a satisfação do gozo inusitado está estampada no sorriso desavergonhado do rosto sujo em transe. (Lindo, mas impensável permitir um sorriso a uma escrava em tormento)
         O tapa na face submetida a traz de volta à realidade sem maior agitação: sabe agora que resta submeter-se, entregue ao que vier, seja lá o que venha de Mim.
         - De quatro, cadela!
        Na vergastada estudada, o cinto enrola-se em sua cintura e quando puxado com força deixa a lembrança de uma perfeita marca vermelha. (O primeiro fio da teia de flagelação)
       O grande momento aproxima-se. (Dê graças aos deuses dos prazeres, pois o funeral que te renascerá se aproxima) A simples mulher será transformada na mais maravilhosa criatura que pode ser gerada na dor: a escrava. (O fantoche de carne à disposição para ser manipulado pela mão do Mestre)
        A coleira de ouro aparece quase tímida entre seus cabelos suados espalhados pelos ombros.
§
        As costas arqueadas deixam as nádegas em realce, perfeitas, quase flutuantes, como se tivessem sido criadas apenas para esse momento. Um tremor de desespero inútil percorre rapidamente suas carnes abandonadas.
        O couro desce novamente, dessa vez deixando uma estrada vertical de vermelhidão dolorida em suas costas (Vou lamber com o cinto cada centímetro de tua carne ordinária, como  quem canta os versos de um velho rock)
       As paredes impassíveis parecem temer aplaudir o espetáculo de seu tormento, a sucessão de riscos vermelhos traçada pelo couro, primeiro tingindo a pele branca de sua bunda, depois se superpondo na repetição ritmada do açoitamento em suas costas. (O diálogo de sofrimento entre a carne e a dor)
        O primeiro filete vermelho escorre com naturalidade sanguínea. Derrama o sangue de sua dor em honra a Mim (O corpo dessa fêmea que, mesmo nu, não teria graça maior, é agora um maravilhoso objeto de prazer respondendo como um instrumento de gozo a cada toque... blues em sinfonia)
        Delicioso ouvir o silêncio do som de seus gemidos amortecidos pelo mais puro medo. Marionete emudecida movimentando-se sem vontade própria suspensa pelos fios do pavor manipulados por Minha vontade indiscutível. O cinto desce cada vez mais rápido e violento mordendo mais fundo sua pele flagelada.
        Jogada no chão. Um monte de carne com anatomia quase humana, contorcido numa estranha espiral que se fecha em si mesma, uma bola fetal que se contorce em espasmos de agonia. (Carne plena de vazio a ser preenchido com alma por Meu açoitamento)
         Sem emitir um único grito, um gemido sequer.
         A coleira de ouro permanece brilhando com indiferença debochada.
§
        A intrincada teia de marcas fundas deixadas pelo couro em seu corpo martirizado forma um ensandecido desenho inquietante. (Ah, Pollock, se tivesses preferido a carne às telas)
       Obediente, permanece calada, mas seu coração bate com nitidez no ritmo do espancamento, sua alma queima no incêndio da dor, seus sucos se derramam fartos, sem barreiras e escorrem por suas coxas. (Fonte de fluxos verte água de gozo agora e até na hora de sua vida no prazer. Viva!)
         Lágrimas frescas escapam dos olhos, apenas dois riscos apertados em seu rosto estranha e pateticamente sorridente.
         Sabe agora todos os prazeres perversos que posso lhe proporcionar. Sofre a dor como o desafio único que pode levá-la à salvação pelo gozo. Compreende que devo matar sua vontade de mulher para que nasça em majestade a escrava absolutamente servil. Meu mártir particular sofrendo pela fé fanática no prazer que posso lhe conceder. Entrega-se para que a leve além da resistência física e de alma e a traga para o lado da escuridão da humilhação onde finalmente queimará os olhos no prazer da luz da revelação: cuspirá flores mas, gulosa, mastigará espinhos.
§
          Percebo que está exausta, mas feliz.
          Suas mais sombrias fantasias se tornaram realidade.
          - Imploro que não pare, Maître Araignée!
          Erro infantil.
         Seus olhos se espremem em dor com outra bofetada. Face vermelha pelo tapa, abaixa os olhos e humilhada encara o chão. (Good, carne e alma escravizadas na plenitude)
         Aposto que quer porque quer que Eu a fornique nesses buracos agora já naturalmente se arreganhando até engordurados de tão úmidos de fluidos interiores se derramando para fora, escorrendo brilhantes grudentos e com cheiro de corpo. (Não terá esse prazer. Terá de conformar-se em gozar pelo Meu gozo)
         - Sede, ordinária? Abra a boca!
         Incrédula Me vê abrir as calças, tirar o pau para fora e começar a mijar em sua boca. O jato passeando por seu corpo, mas sempre retornando a seus lábios abertos, a resistência em engolir o jorro quente, o desejo de cuspir, mas a certeza de que deve beber cada gota, língua e garganta trabalhando apressadas.
         Inevitável, tenho de Me livrar do fogo elétrico que trago entre as pernas. (Boceta gotejante agora e na hora de Minha punheta, amém. Hein?!)
         Grossas gotas brancas se espatifam pegajosas por sua carne marcada.
         - Você Me fez gozar, vadia e nenhuma ordinária é merecedora de Minha porra. Por isso vai apanhar mais.
         Os tapas se repetem velozes em seu rosto.
         Agarro novamente seus cabelos (Mero objeto, uma marionete de carne) e ordeno:
         - Limpe meu pau, com a língua, limpe meu pau inteiro, sua puta!
        Coberta de mijo, dor e porra chupa esfomeada, enquanto sua própria porra escorre pelo meio de suas coxas, a boceta brilhando arreganhada.
        Sem cauda, mas em tudo uma cadela. Uma transmutação que só a entrega e humilhação incondicionais podem produzir.
          A coleira de ouro brilha vingativa.
§
         Bom ter desfrutado de sua dor silenciosa, mas agora não mais novidade.
         Entediado de brincar com ela.
         - Tem um chuveiro lá (Na verdade, um cano escorrendo água gelada) e uma toalha (O trapo mais humilhantemente velho e feio que consegui). Está imunda e fede, cadela!
         A bofetada agora é mais de humilhação do que de dor.
         Lágrimas novas correm fartas por seu rosto.
        No bloco de carne nua feminina que recebe o tapa vejo a cadela rebaixar-se rastejante indo em direção ao banho.
         - Obrigada Maître Araignée!  
         Sombras de fim de tarde começam a se grudar nas paredes.
         Tremendo sob a água fria, aquela escultura de carne perdeu a noção de tempo, é incapaz de saber por quanto tempo foi usada e degradada. Porém, vergonha e a humilhação ansiadas medem-se pela eternidade do desejo. Experimentou um brutal ato de domínio. Cada músculo está dolorido, cada pedaço de pele está marcado, foi usada por Mim para Meu exclusivo prazer sem o direito de emitir o mais leve gemido.
         Vai novamente colocar-se de quatro.
         - Acabou. Pode vir andando.
§
         Treme ainda e não apenas por causa do banho frio.
         - Permissão para falar, Maître Araignée.
         - Concedida, cadela desprezível.
         - Tudo o que me importa agora é poder saber que fui de Seu agrado e me coloco para ser Sua integralmente, para fazer qualquer coisa que deseje, para ser um instrumento a ser utilizado para o Seu prazer. Posso voltar aqui outro dia?
         - Bobagem, nunca atuo duas vezes no mesmo local.
         - De hoje em diante, Maître Araignée, vou precisar ser humilhada pelo Senhor como necessito de ar para respirar. Não tem jeito, não me mande de volta à minha vida sem graça, sem a esperança de que irá me convocar novamente para submeter-me sob Seu desejo em degradar-me. (Instante quase impossível de perceber ou medir, mas definitivo em sua vida até aqui não vivida em plenitude; o momento em que a cadela emerge de dentro de uma fêmea é único, ela sabe, e tentará repeti-lo sempre, mas só o conseguirá real e plenamente nas mãos de um verdadeiro Mestre)
         - Se e quando Minha vontade manifestar-se, saberá.
         - Não tenho vontade própria, não sou nada, algo existente apenas a partir do Senhor. Minha vontade é a Sua. Apenas me sentiria recompensada em saber que fui cadela de Seu agrado.
         (Jamais elogie uma vadia depois da primeira sessão, por mais competente que tenha sido enquanto cadela, pois ela se sentirá uma superstar pornô merecedora de um Oscar e arrotará grandeza para todas as outras ordinárias, próximas ou não, na primeira manicure de sábado)
        Acendo um cigarro e penso rápido. Esmigalho a brasa sobre a carne macia de seu seio.
       Dor súbita, imensa eu sei, mas a ameaça de meu olhar amordaça o grito de sofrimento. Apenas a reverência da prece máxima que a dor ensina a todas:
       - Obrigada Maître Araignée.
       - A marca de Meu reconhecimento te acompanhará por um bom tempo ainda. Agora apenas retire-se!
       Da cabeça aos pés desse corpo marcado pelo couro vê-se que a Maculada Concepção do Prazer emerge despudorada da alma das carnes insossas dessa fêmea banal. O sangue da vida plena foi drenado para suas veias a cada chibatada. Enquanto ela se afasta sei que sua alma estará para sempre ajoelhada ante os deuses da dor e do prazer. Sua carne branca, antes uma página a ser escrita, agora é uma história de submissão brilhante, brilhante como...
       - Espere!
       - Maître Araignée?
       - A coleira, a coleira de ouro: coloque-a exatamente onde a encontrou.
       Tristeza intensa, impossível de descrever, faz seu rosto desabar em choro vigoroso de decepção.
       - Outra mosca deve chegar daqui a pouco.
       (O grito se cala no medo... do desprezo)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O Banquete da Meia Noite

Foto: Avelina de Moray


Quase onze da noite e chovia pra cacete.
Aquela tempestade de filme de terror classe B. Só não tinha lobo uivando, porque no Brasil não tem lobo (pelo menos que preste para fazer sonoplastia em filme). Já lobisomens...
Condessa Drake.
Distante da vetusta velhota que esperava encontrar. Passada dos trinta, mas uma morena tesudíssima. Tudo menos cara de inglesa. Vampirescas sombras preto-azuladas nos olhos escuros e um batom sanguinolentamente vermelho nos lábios debochados. Roupa negra convenientemente transparente: nada vulgar, ocultava o necessário, expunha o que desejava e deixava adivinhar o quanto de enlouquecedor devia se esconder nas dobras quentes transpiradas daquelas carnes.
Conde Drake, o marido, morrera há pouco devido a uma raríssima doença no sangue e lhe transferira uma fortuna que deixava de pau duro os babacas dos corretores da Bolsa de Valores. Ela tinha sido empregada na mansão: diziam que dera o “golpe do baú”. Vindo da Inglaterra, presume-se, nunca ninguém soube ao certo, o conde vivera de rendas e de investimentos tão insondáveis quanto a fórmula da Coca-Cola.
Esse negócio de nobreza nunca funcionou no Brasil a não ser para o Pelé, para o Roberto Carlos e para o Rei Momo, mas ela fazia irredutível questão do tratamento nobiliárquico, meu chefe tinha me advertido. E me deu outro amigável aviso, o corno: “Além de só chamar a mulher de condessa, traga esse contrato de venda fechado, senão te arranco o saco antes de te demitir”. Não sei porque hesitava, toda manhã, no banheiro, a limpar o rabo com aquele inútil diploma de Direito que me obrigava a aguentar esse tipo de coisa para sobreviver como o mais vagabundo corretorzinho de imóveis de São Paulo. Mas devia ser fácil: ela manifestara interesse em adquirir o imóvel.

“Dou-lhe minha garantia, condessa, de que nossa empresa sente-se honrada em negociar com uma mulher com sua categoria e respeitabilidade”.
Por favor, meu caro, evite essa afetação cavalheiresca, pois você me parece pobre o suficiente para que esse tipo de conduta apareça como algo flagrantemente postiço em você. Estou plenamente consciente de que minha reputação antecede mesmo às opiniões nada elogiosas que todos têm a meu respeito”.
Eu ia protestar e me desculpar ao mesmo tempo.
“Não se ofenda. Também já fui pobre. Mais do que você tenha sido ou possa imaginar. Gostou de minha mansão? Pois saiba que conheço cada canto dela. Limpei cada milímetro de chão, parede e teto dessa casa durante mais de dois anos. Porém não sou uma golpista, como dizem”.
Eu não tinha nada a ver com aquilo tudo, não estava disposto a ouvir nada. Só queria pegar a assinatura dela no contrato e ir embora. Mas a condessa Drake não era o tipo de mulher que pudesse ser interrompida.

Vinha do interior, só não analfabeta porque as freiras perceberam o quanto eu era inteligente e me deram de graça a educação que o matuto do meu pai jamais poderia pagar para mim e para a ninhada de filhos que perambulava com os narizes escorrendo nojentos pelo casebre de cômodo único. Bem, de graça, não totalmente: tive de fazer algumas coisas para elas, que elas garantiam não ser pecado desde que eu jamais comentasse com ninguém. Depois de um tempo aprendi que até podia ser pecado, mas era prazeroso. E acabei gostando. E homem, só o mal cheiroso jardineiro do convento que me violentou assim que pus peitos para espetar o tecido fino da blusa branca do uniforme. Não foi bom, mas também aprendi que tinha de ser.
Era uma semi virgem nesse país dominado por quase corruptos semi honestos, quando me apresentei ao conde, homem extremamente vistoso pela idade, aqui na capital. Pensei não ter causado impressão maior no primeiro momento. Colocou-me sob as ordens de Hannah, uma mulher loira, grande e branca, bonita a seu modo. Verdadeira “sargenta”, viera com ele da Europa. Quase só o via nas manhãs, no escritório, empunhando uma linda faca de prata, abrindo a correspondência. Ignorava-me. Porém, quando percebia que ia saindo, após terminar a limpeza, dizia sem levantar os olhos dos papéis: “Se um dia você for má e trair a minha confiança, terá quatro refeições por dia”. Não entendia, já estava mais do que satisfeita com o café da manhã, almoço e jantar, mesmo que na cozinha. Mais de dois anos assim: empregadinha na limpeza.

O terror começou pouco depois das dez. Quase dormia quando meus cabelos foram violentamente puxados do travesseiro: “É isso que dá querer fazer caridade para essa gentinha inferior!” O susto não me deixava entender porque a saliva de Hannah respingava raivosa em meu rosto: “Ladrona, você é uma putinha ladrona! Confesse, você roubou! Onde está ela?!” A bofetada violenta doeu mais no meu caráter. Consegui me soltar, não sabia o que estava acontecendo, mas o diabo que iria dar o prazer àquela cadela alemã. Foi instintivo, nem sei bem porque fiz aquilo: a expressão de ódio da “sargenta” virou uma máscara cômica e assustadora quando lhe enderecei o sorriso de maior desprezo que consegui. “E ainda se atreve a ser debochada, sua rameira de sarjeta? Você vai ver só o que o conde vai fazer com você!”

Lágrimas escorriam, mas não emiti um som e jamais perdi o sorriso. A tapas e pontapés, quase o tempo todo arrastada, fui levada ao salão inferior. Você poderá conhecê-lo, se quiser. Jogada lá dentro, entendi porque aquela porta artisticamente entalhada sempre estivera fechada, proibida à minha curiosidade e às minhas perguntas. Uma decoração pesada e escura baseada em madeira, metal, couro e veludo vermelho iluminada por archotes. Uma atmosfera medieval que ao invés de assustar, fascinava. Ajoelhada, quando acostumei os olhos à pouca luminosidade, reconheci, à minha frente, o conde sentado numa enorme cadeira, quase um trono, trajando um roupão de cetim preto. “Então você roubou a faca de prata?” Não tive tempo de negar. A dor queimava em minhas costas como um incêndio. De onde o conde tirara aquele chicote? “Assim é melhor. Sem o sorriso, com expressão de sofrimento, seu rosto fica mais lindo. Hannah: as roupas!” Ouvi um tilintar sinistro. Com a visão umedecida vi a “sargenta” aproximar-se ameaçadora: estava praticamente despida, apenas tiras de couro preto estrategicamente atadas ao corpo e dois sininhos de prata pendurados nos bicos dos seios. Com poucos movimentos bruscos, arrancou minhas roupas. Com violência puxou meus braços para trás e amarrou minhas mãos às costas. Agora era medo puro, pavor. “ Misericórida, em nome da santa cruz onde morreu Nosso Senhor Jesus Cris...” Gritei como nunca tinha ouvido alguém gritar. A mão do conde esmagava meu seio direito. Seu olho vermelho brilhante a milímetros do meu. Hálito quente. “Jamais torne a proferir esse tipo de blasfêmia nesse recinto!”

Os sininhos de prata soavam torturantes enquanto Hannah, aos tapas, me fazia subir na enorme mesa. Toalha de veludo negro, candelabros prateados, velas vermelhas. De volta ao trono o conde sorria perverso. “Avisei que se fosse má e traísse minha confiança teria quatro refeições por dia. Você roubou a faca de prata. Então vai ter o banquete da meia noite, ou melhor, vai fazer parte dele. Melhor ainda: será o prato principal. Hannah!” A alemã agarrou meus cabelos e foi me fazendo recuar até me deitar numa imensa bandeja de ouro. O frio em minhas costas era imenso, mas o tremor pelo medo era maior. O que eram aquelas coisas geladas grudando-se em minha pele? “Confortável, não? E saudável também. Uma deliciosa composição vegetal tem a leveza exata para uma refeição nesse horário. Nada de carne, a não ser a sua. Aliás, uma alimentação saudável é um dos mais sofisticados passos na caminhada rumo à busca pela imortalidade.”

Eu estava cercada por toda espécie de folhas e flores de todas as cores. “Parabéns, Hannah. Quase uma obra-prima. No entanto, a perfeição só é revelada àqueles que detêm o perfeito e preciso conhecimento da arte do bom tempero.” As chicotadas vieram seguidas. Eu gritava feito louca. “Mais minha linda, mais. Sua dor, seu sofrimento vão transformar esses ingredientes banais na mais fina iguaria para o deleite de meu exigente paladar de conhecedor.” Foi um uivo quando senti algo me invadir o corpo: o enorme pepino que Hannah introduzia em minha boceta. O couro do chicote continuava a mastigar minha carne. Uma dor que jamais pensei suportar quando algo rasgou a resistência do buraco de meu rabo: uma cenoura que a “sargenta” enfiou até o fundo, depois eu soube.

Com um movimento teatralmente estudado o conde livrou-se do roupão e mostrou-se nu ostentando uma ereção de um tamanho difícil de acreditar num homem com aquela idade. O açoitamento voltou ainda mais violento. “E agora, o toque final da sofisticação de um gênio”. Com uma agilidade espantosa para seu corpo, Hannah subiu na mesa, escancarou as pernas e começou, lentamente, a mijar sobre meu corpo. Da cabeça aos pés (cabelos, olhos, boca, língua, seios, ventre, sexo, coxas, tudo encharcando meu nariz com aquele tonteante aroma liquefeito de interior de fêmea), senti a quentura daquele líquido que brilhava amarelo à luz das velas banhando minha pele, infiltrando-se ardido nas feridas. As chicotadas não importavam mais, pareciam não doer. Pelo contrário, traziam prazer a cada contato violento com meu corpo. Estranho enfeitiçamento quase hipnótico. Comecei a sentir paz e felicidade. Muita felicidade. Estava sorrindo novamente. A língua do conde, passeando pegajosa em cada centímetro de minha pele, saboreando minha carne molhada pelo mijo, era deliciosa. Não sabia o que estava acontecendo comigo, mas jamais havia sentido nada tão maravilhoso na vida.

“Você pensou que podia esconder de mim, mas eu encontrei!” Os olhos perversos do conde refletiam um estranho brilho metálico. A faca de prata estava em sua mão. Impossível negar o medo que chegou sorrindo. Porém dessa vez não me assustou, me deu uma vontade, uma ânsia de experimentá-lo e sorri para ele também. Mão com destreza de mestre escultor, com ensandecida meticulosidade cirúrgica, o conde fez com que a afiadíssima lâmina brilhante semicircundasse o bico de meu seio, não para cortar de vez, só para fazer sentir o metal frio entrando quente na carne e para deixar um filete de sangue escorrer generoso, na medida. Drake sugou guloso quase em êxtase o que ele chamava de “sua gota de imortalidade” (dava até para acreditar pela virilidade de dar inveja a muitos jovens que ele ostentava) e eu senti seu esperma quente melar as carnes de minhas coxas. Gozei junto com ele. Lá embaixo, com uma deferência quase religiosa, a língua de Helga era a serpente gulosa que sorvia de minhas carnes cada gota de porra do conde.

Esse foi meu, literalmente, batismo de sangue. Uma louvação pagã à vida. Aquilo não era uma sacrificial orgia demente, bárbara. Era uma cerimônia de amor. Não para homenagear a algum deus específico. Ali estavam sendo reverenciadas, numa celebração de delícias, as divindades do gozo a que todos os iniciados no prazer têm acesso sem precisar saber ou dizer os nomes. Um cerimonioso ato de comunhão com as deidades da satisfação da carne que habitam corpos, corações e mentes de cada homem e mulher que já viveu, vive ou viverá nesse mundo. Essa é a verdadeira imortalidade que o conde perseguiu e que alcançou com tanta sabedoria. Essa imortalidade que está ao alcance de todos, mas só acessível aos que têm coragem de encarar sua face amedrontadora, porém belíssima.

As sessões, com algumas variações, se repetiam de tempos em tempos. “Você parece faminta, minha linda, acho que está precisando do banquete da meia noite”, ele me dizia, sorrindo maroto para Hannah, a quem também passei a olhar com olhos de admiração. Depois vieram meus doutorado e mestrado (com distinção, claro) mas até por respeito, tive de aguardar pela morte de Hannah: um câncer feio a levou depois de uns três anos. Aí eu assumi, soberana, a direção das sessões ao lado do conde. Só que, ao contrário de Hannah, eu era jovem e bonita o suficiente para que ele se apaixonasse e me pedisse em casamento. Fomos extremamente felizes enquanto durou: ele agradecido a mim por tudo o que dei a ele. Eu eternamente agradecida por ele ter me transformado mais do que na Condessa Drake, numa verdadeira mulher e me ensinado, pela submissão, pela inferiorização a alcançar a supremacia, a superioridade, a quase divindade enquanto fêmea.
Como pode ver, meu caro, estou longe de ser a oportunista que todos os invejosos caluniam e mais do que merecedora de cada centavo que herdei do conde. Com sabedoria, administrei e multipliquei a fortuna que ele me deixou e hoje desfruto de comodidade suficiente para orgulhosamente dar prosseguimento à obra dele: o desfrute da imortalidade em cada instante de gozo pleno.

A chuva havia piorado. Raios e trovões, agora mais constantes, faziam o cenário, sem dúvida, hollywoodiano. Em algum lugar da casa, o som de bronze antigo de um relógio seguramente muito valioso começou a dar doze badaladas. Quando elas cessaram comecei a ouvir um tilintar agudo.

Uma mulher de traços orientais, praticamente nua, apenas tiras de couro estrategicamente atadas ao corpo, com dois sininhos de prata pendurados nos bicos dos seios entrou na sala com estudada lentidão e colocou-se ao lado da condessa. “Essa é Kyoko, minha empregada. O senhor não gostaria de ser meu convidado em meu banquete da meia noite?” Ainda meio zonzo por tudo o que ouvira, só consegui gaguejar: “Muita gentileza, condessa Drake, mas não sou exatamente um vegetariano.” Ela me endereçou o mais diabólico sorriso que já vi. “Não seja precipitado, meu caro, veja o que lhe ofereço como entrada” — fez a oriental girar o corpo e acariciou sua bunda — “e olhe a delícia que terá como prato principal” — rasgou com força o vestido fino, abriu as pernas e exibiu-me o corpo enlouquecedoramente perfeito coroado por seu sexo úmido sem pelos: uma carnívora boca salivosa escancarada num grito chamativo sem som, com toda a eloquência da excitação da carne.

Bem, eu precisava fechar aquele negócio para não perder o emprego.
E meu médico havia mesmo me recomendado que mudasse meus hábitos alimentares.
Então, tudo em nome da boa saúde e da tentativa da busca pela imortalidade.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Dívida, Vindita, Vida

Foto: Matthew Cooke

“Senta sereno na margem do rio e espera
passar boiando o corpo do teu inimigo”
(Provérbio chinês)

História de livro do século 16?
Que nada.
Acontece sempre, todo o tempo.
Acontece aqui e agora.
O pai era um homem adorável.
Em termos de negócios, uma nulidade, um sonhador de uma incompetência que beirava à ingenuidade.
Desconfiava que as coisas não iam bem.
Lia o desespero no sorriso forçado do velho.
Certeza do desastre só teve quando o senhor Luck telefonou.
“Avisei a seu pai que era uma barca furada. Mas você sabe como ele é, sempre convencido de que finalmente encontrou o grande negócio de sua vida. Insistiu porque insistiu, nem se incomodou com o nível dos juros e ofereceu o palacete como garantia. A dívida venceu no mês passado. Ele implorou por um adiamento, porém também tenho meus negócios e obrigações. Impossível. Só você pode salvar seu pai da ruína total. Se eu executar a dívida, em uma semana você e seu pai estarão morando no meio da rua”.
Antonia nem se abalou com a proposta falsamente velada de troca de sexo pela dívida. O senhor Luck sempre a olhara de forma especialmente dúbia desde quando pusera os olhos nela mal saída da adolescência. Só temeu pelo tom enigmático e sinistro da proposta.
“Quero usar um pedaço de carne de seu corpo por 12 horas seguidas e da maneira que bem entender, sem limitações. Espero que me ligue em três dias concordando. Senão executo a dívida”.
Perda de tempo pensar sobre a indignidade da oferta. O pai nada lhe contara. A saúde frágil do velho não resistiria a encarar a face debochada da bancarrota, da miséria. Sabia que não tinha saída, além de submeter-se aos desejos do senhor Luck. Apenas por uma questão de inútil dignidade burocrática protelou a resposta para o terceiro dia.
“Concordo com os seus termos”.
“Quero fazer o que bem entender com essa sua bunda apetitosa”.
“Preciso de dez dias para me preparar”.
“No sábado de Aleluia então. Quero você em minha casa, às nove da noite. Minha mulher estará no interior, na casa da mãe e vou buscá-la no dia seguinte. Você leva o título da dívida quitado e ainda te dou um ovinho de Páscoa daqueles bem vagabundinhos, de pobre, que vou mandar comprar na padaria da esquina.”
Gargalhada debochada.
A princípio um tanto incômodo e constrangedor, o enema improvisado com a mangueira da ducha acabou se transformando numa inédita experiência estranhamente agradável.
Sexo anal não era sua variante predileta, mas estava longe de mostrar-se como uma novidade em sua nem tão intensa vida sexual.
“Doze horas daquilo, meu Deus”.
Antonia meditava sobre tudo isso enquanto sob o chuveiro, com cuidado estudado, massageava o ânus com o dedo lambuzado de sabonete.
Quase como um levíssimo choque elétrico.
“Já há sujeira demais nessa história. Não quero sujá-la mais”, pensou amargamente perfumosa enquanto deixava a água quente na medida escorrer-lhe pelo corpo.
Comentou apenas com o primo (médico recém-formado trabalhando num posto de saúde pública no centro da cidade voltado quase que exclusivamente ao atendimento de mendigos e moradores de rua), confidente de todas as horas e um apaixonado por ela desde a infância.
Quanto tinham brincado com o sexo com a inocência das crianças.
Agora aquilo: sexo também só que cru e imundo.
O plano do primo era arriscado e nojento, porém suficientemente perverso para refrescar sua sede de vingança.
Dedo no botão da campainha. Nove da noite em ponto. Não tinha razão para adiar. Sofrimento o destino manda sempre na hora exata.
Senhor Luck abre a porta com um maldoso sorriso escancarado. Completamente nu, com uma inacreditável ereção ameaçadora.
“Pelada! Já, ordinária!”
A humilhação tentou desacelerar seus movimentos, mas a bofetada estalada em sua face apressou o desnudamento vexatório de seu corpo. “Tenho de aguentar. Esse porco não vai ter nenhuma lágrima minha”, pensou Antonia.
“Abra a boca! Braços para trás!”
Compreendeu que seu rebaixamento iria muito além da penetração anal quando se viu amordaçada, pulsos presos às costas.
“Cadelas vagabundas devem ser imobilizadas para não resistirem e não quero que os vizinhos ouçam seus ganidos de prostituta barata”.
O tapa agora derrubou-a no chão.
Manuseada como um fardo de carne. A pele dos joelhos ralada, queimando na aspereza do carpete. O rosto virado de lado, comprimido contra o chão.
Arreganhada. Um desengonçado brinquedo aberto aos escabrosos apetites dele.
A sensação no orifício de seu ânus de algo quase líquido, gordurosamente gosmento e gelado como a lambida da língua de um morto.
“Graças a Deus, ele vai usar um lubrificante”.
A dolorosa introdução de um só golpe, rápida, violenta, fez com que se sentisse aberta ao meio. Só podia grunhir e ensopar de saliva o tecido da mordaça. “Esse velho não pode ter um pau desse tamanho”.
As tiras de couro apertaram-se firmes e entraram fundo na carne de seu ventre.
Antonia preferia nem imaginar o tamanho do consolo que o senhor Luck enfiara em seu corpo e que era mantido atado a seu interior sem possibilidade de alívio.
“Não faça doce. Dá prá ver que esse cu de puta escrota já foi frequentado, e muito. Só que nunca desse jeito”.
A gargalhada debochada era insuportável.
Indefesa.
Uma penetração gigantesca.
Qual espécie de tara ou violência ainda podia ser imaginada por aquela mente doentia para humilhá-la?
Devia ter desconfiado do que se escondia por trás daquelas frases aparentemente tão explícitas: “Quero usar um pedaço de carne de seu corpo por 12 horas seguidas e da maneira que bem entender, sem limitações. Quero fazer o que bem entender com essa sua bunda apetitosa”.
A primeira vergastada veio explicativa. A segunda, apesar da dor mais aguda era redundante.
Estava sendo flagelada de forma selvagem.
Com o canto dos olhos Antonia conseguia ver o senhor Luck, sorriso cruel, a ereção impassível, tremendo de prazer a cada vez que descia o couro do cinto nas carnes generosas de suas nádegas apetitosas.
Jamais apanhara de ninguém.
Era inacreditável que estivesse vivendo experiência tão degradante.
“Geme, puta desprezível, geme mais. Você gosta, no fundo você gosta. Todas gostam. Puta! Você não passa de uma puta suja. Toda mulher no fundo é uma grande puta. Geme para pedir mais. Mais. Mais. Mais!”
As lágrimas teimavam em escorrer quentes de seus olhos, por mais que resistisse.
A respiração do senhor Luck era forte e ruidosa como o som de um animal pronto a atacar só pelo prazer de sentir o gosto do sangue da presa.
Apesar da mordaça, Antonia conseguiu emitir um forte grunhido, quase um grito.
Jamais sentira dor tão intensa.
“Quer saber o que é? Quer saber o que está te causando tamanha dor? Veja puta, veja”.
Monstruoso.
Só uma mente perturbada poderia ter premeditado e preparado aquilo.
Ajoelhado, o senhor Luck exibia aos olhos de Antonia uma raquete de pingue pongue ensanguentada: na superfície ainda podiam ser vistas as pontas metálicas brilhantes da dezena de pequenos pregos que ele havia pregado na madeira.
Só podia ser obra de alguém desequilibrado. Antonia começou a temer por sua vida.
Não podia ver, mas sua bunda agora era uma posta de carne lacrimosamente vermelha, sangrenta.
”Não chore, minha querida putinha. Hoje deve ser um dia de alegria. Afinal, você está aqui para se aproveitar da minha generosidade que vai conceder a piedade de não afundar você e seu pai na mais negra miséria. Precisamos comemorar, precisamos comemorar”.
O senhor Luck apanhou uma pequena caixa de papelão e mostrou o conteúdo a Antonia.
“Não são bonitinhas?”
Eram pequenas velas dessas utilizadas em aniversários.
“Sua bunda gostosa vai ser o bolo para a comemoração de nosso acordo”.
“Não é possível, esse maluco vai querer me queimar”, pensou Antonia.
No entanto, a primeira picada aguda que sentiu nada tinha a ver com fogo.
O senhor Luck havia adaptado agulhas a parte inferior das velas e as estava espetando com cuidadoso sadismo nas carnes da bunda de Antonia.
“Cada uma representa dez por cento da dívida que seu pai tem comigo”.
Com apavorada aflição, ela ia contando mentalmente: sete, oito, nove, dez.
Onze, doze, treze.
“As três a mais são pelos juros que ele não vai poder me pagar”.
A dor agora vinha em bloco, tão feroz que dava uma sensação quase anestesiante. Era como se a parte inferior de seu corpo não mais existisse.
“Parabéns a você, nessa data...”
O senhor Luck cantava mórbido enquanto acendia uma a uma as velas, com um carinho de tara infantil.
Pela primeira vez tentou com todas as suas forças implorar por piedade.
Nem todo o ódio do mundo poderia justificar uma demência daquelas.
Experimentou uma intensa náusea tentando escalar as profundezas do estômago em direção à sua boca, quando o cheiro do álcool misturou-se ao seu pavor.
Tentou se levantar.
O pânico ordenava que tentasse fugir dali de qualquer maneira.
O pé firme em suas costas impediu qualquer tentativa de reação.
A expressão do rosto dele agora era de uma dureza de estátua.
O cinto de couro amedrontador na mão direta. Na esquerda, ameaçador, o frasco com álcool sendo sádica e lentamente virado.
As velas acesas.
Poucas gotas foram suficientes para que em segundos a bunda de Antonia estivesse em chamas.
Impossível escapar.
Dor inacreditável.
O pé em suas costas imobilizando-a.
Contorcia-se.
Como enlouquecido, o senhor Luck passou a distribuir as mais violentas vergastadas em sua bunda.
Aos poucos as chamas iam sendo eliminadas. Pela dor das chibatadas.
Sentia que ia desmaiar.
A dor das queimaduras era intensa.
O senhor Luck saiu por uns instantes.
Ouviu barulho de água.
Ele voltou com uma toalha molhada.
“Não se preocupe, é coisa superficial. Coisa que qualquer pomadinha cura em dias. Em pouco tempo terá sua bunda suja de cadela em ordem para dar para esses homens imundos para quem se vende. Quer se refrescar um pouco?”
Cuidadosamente ele colocou a toalha sobre seu traseiro, massageando forte. O sofrimento era incrível. Depois, com dedicação próxima ao carinho ele enrolou a toalha e começou a torcê-la, fazendo com que gotas frescas de alívio penetrassem em suas feridas.
Difícil dizer quanto tempo durou.
A vermelhidão em sua face demonstrava que o esforço que ele fazia ao torcer a toalha não era falso.
“Será que acabou? Acho que ele agora está satisfeito”, Antonia desejou esperançosa.
A pancada surda chegou surpreendente.
Ele estava surrando-a com a tolha enrolada.
Agora não era apenas sua bunda. Suas costas também eram espancadas sem piedade.
“Por que? Por que você teve de se vender tão caro para mim? Por que? Você podia ter tido tudo de mim sem se vender, desde quando me conheceu. Esse orgulho besta de gente pobre. Eu teria te dado tudo de graça, de graça”.
Antonia conseguiu tirar forças de algum ponto em seu interior para, mesmo com a mordaça, sorrir com desprezo para o senhor Luck.
A cuspida em seu rosto foi uma reação mais do que eloquente.
Ele saiu em direção à cozinha.
As expectativas não se concretizariam.
Seu sofrimento ainda não terminara.
Não, ele ainda não estava satisfeito.
Voltou com uma garrafa de cerveja.
Bebia pelo gargalo.
“Geladinha. Uma delícia. Quer um pouquinho para passar o calor da comemoração?”
Vigorosamente recolocou Antonia em sua vulnerável posição, desatou as tiras de couro e com determinação arrancou o dildo de seu ânus. Ruído seco.
Agora era o frio. Muito frio.
Insensível à sua dor e a todo o sofrimento que já lhe infligira, o senhor Luck vigorosamente enfiava a garrafa pelo seu ânus. Antonia sentia o gelado do líquido inundar seu interior.
Garrafa retirada com violência.
Não consegue evitar. O líquido esguicha para fora de seu ânus com um ruído nojento, desagradável.
A gargalhada de deboche do senhor Luck é ainda mais infame.
Não importa mais o que ele possa fazer.
Ela consegue perceber alguma claridade através das cortinas.
O dia começa a nascer.
Quanto tempo ainda?
Será que ele nunca se dá por satisfeito?
Não.
Ela nunca acreditou que fosse possível suportar isso. Mas agora percebia claramente que ele enfiava, um após outro os dedos em seu ânus. Entravam, e se acomodavam.
Pareciam nunca acabar.
Agora era sua mão de homem, grande, ossuda, inteira dentro dela, mexendo-se com desenvoltura em seu interior.
“Você vai saber agora, sua vadia, o que quer dizer tomar um pé na bunda”.
A voz está pastosa, as cervejas seguidas parecem começar a fazer efeito.
Já não se preocupa em tentar gemer. Apenas deixar o tempo passar.
Como ele conseguiu enfiar boa parte do pé dentro de sua bunda? Parece passear entre suas entranhas.
Como está conseguindo suportar isso sem incômodo maior.
“Ele me abriu inteira. Estou arrombada para sempre”.
Os movimentos dele já não são tão exatos.
Bêbado.
Acendendo mais um cigarro.
“Não meu Deus, por favor, não. Esse sorriso de novo”.
Pernas menos firmes, o senhor Luck levanta-se e com esmero embriagado dedica-se por algum tempo a torcer, retorcer, entortar e endireitar um clipe de metal.
Duas hastes, uma maior outra menor, em ângulo reto.
A chama do isqueiro passeia pelo metal, lambe-o até deixá-lo em brasa.
Antonia não pode ver. Apenas guincha agudo quando sente o calor queimar sua carne.
“Agora você é uma verdadeira vaca. Marcada com a minha marca, com o L de Luck”.
”Já deve passar das oito. Isso tem de acabar. Mas como vai ser, meu Deus?”
O senhor Luck não consegue esconder o cansaço.
Sua ereção, porém, permanece inalterada. Às vezes parece ter aumentado.
Aparentemente está mais calmo.
A bebida talvez tenha aplacado sua fúria.
Quase capaz de transmitir carinho, como uma criança ele beija as nádegas de Antonia. Enfia a língua demoradamente em seu ânus. Esfrega o rosto naquelas carnes tão machucadas.
Parece verdadeiramente emocionado quando resmunga meio choroso.
“Por que você teve de se vender tão caro para mim? Você podia ter tido tudo de mim sem se vender”.
“Será que ele vai me soltar e me deixar ir embora?”
“E agora, il grande finale!
De cabeça para baixo, pelo vão das pernas, Antonia viu que o senhor Luck começava a desembrulhar um preservativo.
Tentou se soltar esperneou, até que ele entendeu que ela queria que ele tirasse a mordaça.
“Não, camisinha não! Se eu tenho de passar por isso, que seja inteiro, total. Amaciou a carne então tem de comer, seu velho devasso. Se vai enrabar meu cu, quero ter muita porra esguichando grossa lá dentro dele”.
Os olhos do senhor Luck se incendiaram lascivos e a ela não foi concedido nem o instante para um gemido: foi invadida com ferocidade. O senhor Luck entre que grunhia e resfolegava algumas vezes.
Arrombada ao limite do esgarçamento de suas carnes, “Como um velho desses consegue ter um pau tão comprido e grosso, meu Deus?” Antonia sentiu seu interior ficar inundado, quente e pegajoso.
Depois, mais algumas respiradas ofegantes dele, o esvaziamento repentino pela brusca retirada do falo, enquanto sem encontrar qualquer resistência sentia o líquido gosmento sair de dentro dela como se apenas vomitasse leitosa pelo rabo.
O esfíncter dilatado num “O” de espanto, prazer e dor babava branco como uma boca de palhaço triste. Teve seu vômito de esperma calado com violência e ardor.
“Leve enfiado no cu o título quitado da dívida de seu pai. Foi para isso que você se sujeitou a se vender e é só o que você leva daqui com todo meu desprezo e nojo”.
Depois foram pontapés e tapas.
Jogada nua no hall do elevador, vestido atirado na cara, lágrimas salgadas de revolta e dor sendo engolidas pela boca seca de raiva, o recibo da dívida do pai dolorosamente introduzido em seu ânus melado e sangrante. A porta batida com estrondo de desprezo.
Começou a vestir-se.
A porta abre-se debochada.
“Ia esquecendo: aqui está o seu ovinho de chocolate de pobre. Boa Páscoa para você, sua coelha cadela e para o fracassado de seu pai”.
Porta fechada com novo estrondo.
Agora final.
“Mas esse velho é totalmente louco, um tarado, um pervertido, um desequilibrado! O que você foi obrigada a passar nas mãos dele!”
O primo não conseguia controlar a revolta, enquanto cuidava de seus ferimentos.
Injeção? Depois de tudo?
“Sinto, prima, mas não dá para aplicar no braço. E não se esqueça dos comprimidos: de oito em oito horas, por dois dias”.
Por uma semana, ainda teve dores fortes. Sentia-se irremediavelmente arrombada. Temia até ter de ocupar o banheiro (mas, estranho passou a sentir um certo prazer, uma espécie de formigamento desconhecidamente delicioso nesse prosaico ato diário de necessidade).
Logo notou que tudo voltava ao normal. Apenas o L gravado a fogo em sua carne persistia. Mas com o tempo iria embora, o primo garantira.
O pai não engolira muito bem a história de que ela havia conseguido um empréstimo vantajoso para quitar a dívida, mas fingia acreditar.
Quatro dias depois de seu inferno o telefone tocou.
Era o senhor Luck.
“Sua puta perebenta, você me transmitiu gonorreia por esse cu sujo e o pior é que eu passei para a minha mulher!”
O pai tristemente estranhou a gargalhada nervosamente histérica da filha.
“Como eu tinha lhe garantido, prima: o negão é um mendigo cachaceiro, bebe como um gambá, tem uma gonorreia fodida, mas AIDS não tem. O teste definitivamente era negativo. Dizem que foi um jogador de futebol razoavelmente famoso que se perdeu na bebida. Chamam ele de Lance Bogô. Volta e meia ele retorna ao posto de saúde para ver se encontra de novo aquela enfermeira gostosa que insistiu em dar o cu para ele naquela noite”.
Antonia não consegue evitar de acompanhar o primo na gargalhada.
“Com essa sujeira toda uma coisa eu aprendi primo: que o sofrimento é o mais refinado tempero para realçar o inigualável e delicioso sabor da vingança”.
“Com a medicação que lhe dei, esse gostoso rabo, que devo ter sido o primeiro a experimentar quando éramos crianças, está curado, totalmente livre da gonorreia. Por falar nisso, prima, ainda tenho saudades de nosso tempo de crianças e estou a fim de dar uma passeadinha nas carnes desse cu agora limpinho”.
“Sinto primo, sou muito grata a ti, mas tenho planos melhores para meu rabinho tão maltratado”.
Apesar do êxito em sua vingança, Antonia sorri triste, como se algo lhe faltasse.
A velhice e a doença juntaram-se à aliada definitiva, a morte.
O pai de Antonia não durou mais do que seis meses. Do leito de moribundo desconfiava, não entendia bem. Mas teve um velório sereno, embora solitário, no salão do único bem dos tempos de riqueza que conseguiu preservar: o palacete da família.
O senhor Luck tornou-se bem menos prepotente. Tem menos dinheiro e poder também, especialmente depois que a esposa incondicionalmente apoiada pelos filhos, conseguiu com a história da gonorreia adquirida do marido arrancar-lhe parte substanciosa dos bens no processo litigioso de divórcio.
Com os conhecimentos da faculdade de Economia, Antonia hipotecou o imóvel, fez alguns investimentos rentáveis e com algumas especulações de sorte conseguiu em pouco mais de um ano amealhar uma fortuna muito confortável.
Tão confortável quanto o banco traseiro de couro legítimo (tinha começado a adorar couro) de seu carro de luxo.
“Escuta Bogô, você nunca pensou em gravar a fogo um B na minha bunda ao lado do L, enquanto transamos? Depois eu faço uma tatuagem para deixar permanente e mostrar para todo mundo que meu cu é de LB: propriedade de Lance Bogô!”
O motorista não entendeu muito bem a malícia maldosa da pergunta, mas algo lhe dizia que o sorriso de perversidade de Antonia tornava a proposta mais do que justificável.