domingo, 20 de outubro de 2013

Os Olhos Cinzas de Carol Ashy

Foto: Leah Makin
Estranho & fascinante, indefinido entre o soluço & o ganido, o ruído que Alice extraía da garganta poderia soar como mero sofrimento, porém, a ouvidos experimentados, era a melodia da felicidade realizada na entrega pela humilhada submissão.Não tem necessidade de ver, a quase menina. Sem necessidade sequer de ouvir. Sente a presença de Meu pervertido controle sobre seu corpo & mente, mesmo sem Meu contato direto com sua carne. Confia-se amedrontada, porque quer viver o medo, porém sem limitações, realizando-se somente em fazer-Me orgulhoso pelo atendimento pleno, incondicional que dá a Meus caprichos sádicos.
Seu prosaico buraco feminino de mijar está agora indesmentivelmente elevado à categoria de boceta, transubstanciado num alargado túnel de carne, a boca de um animal ofegando.
A selvageria da bestialidade com que enterra o grosso consolo em golpes enlouquecidos, olhando fixamente para o espelho, hipnotizada, para suas coxas arreganhadas quase à demência do contorcionismo, assustaria qualquer espectador desavisado.
A outra mão atormenta os seios com inacreditáveis apertos. Pregados em auréolas rosadas, estranhamente pequenas, quase inexistentes, seus bicos de tetas estão inchados em roxidão eletrificada, quase à sangria pela aguda mordida constante, por horas, dos prendedores de mamilos que usou por todo o tempo.
A sala em total escuridão.
O foco de luz ilumina apenas seu buraco de fêmea.
Seu corpo despido maravilhosamente vestido apenas por alucinados vergões bem definidos desenhados pelo martírio do espancamento por chibata.
A boca arreganhada derramando saliva grossa principia a arquejar num ritmo mais intenso.
Em qualquer próximo instante a ansiedade de seu corpo pode vencer o auto controle.
Aproximo-Me por suas costas & com decisão puxo o cinto enrolado em seu pescoço.
A impossibilidade de respirar é insuportável, porém a ausência de ar agudiza & multiplica o tesão. Reage ao martírio sorrindo meio demente, mas alegria inútil: a decepção é vitoriosa, pois o esganamento é a senha para relembrá-la de que o gozo lhe está interditado, não importa quantas delícias motivem a carne a tentar realizar o prazer.
A bofetada violenta é a senha de interrupção do prazer até em nível mental.
Arregala os acinzentados olhos de metal aquecido, ofega, arfa como um peixe pulado fora do aquário.
A carnalidade ruge selvagem na noite
O cheiro do medo saindo do meio de suas pernas empesteia o ambiente, o aroma de fêmea sem banho acentua a animalidade da atmosfera, seu suor transpirado em abundância está se impregnando nas paredes da casa. É como se estivéssemos vivendo no interior do corpo de uma gigantesca mulher excitada. Esse carnaval de odores passeia pelas Minhas narinas & endurece Meu pau como se fosse de pedra.
Pelo canto dos olhos encaro o relógio: onze & vinte da noite.
O pêndulo imobiliza-se.
Afrouxo a esganadura do cinto - uma definida faixa vermelha enfeita seu pescoço como um colar avalizador de seu martírio - & Alice, olhos cinzas novamente arenosos, torna a encarar o iluminado reflexo do espelho, & reinicia com concentração de artesão a introdução do consolo, dando continuidade ao supliciamento da cona.
Maravilhoso ver Alice em frente ao espelho, enlouquecida pela obediência, cumprir aquele sacrifício de auto mortificação, transmutando sua tímida toca de desnorteada coelhinha tímida, em barbarizado covil de rainha escravizada ao destino de ser mera boceta devoradora de cabeças de quantos viessem encaralhados invasores jaguadartes.
Quase imperceptíveis, ocultando-se no fundo da escuridão às Minhas costas - Alice julga apenas nós dois na casa - brilham ansiedade os olhos cinzas de Carol Ashy testemunhando a pouco mais do que menina dando parto a mais uma fase de seu trajeto de angústia em depravada carnalidade.
Nos rostos de fêmeas, olhos cinzas são armadilha de fascinação mitológica: em repouso, areia de calma enganosa; aquecidos pelo desejo, metal queimando brilho de clandestinos tesões represados.
Quantas mulheres de olhos cinzas um homem conhece na vida?
Agora já duas na Minha. 
Hoje, domingo.
Desde a sexta, Alice está entregue ao refinado repertório de devassidões de Meu arbítrio. Superando-se, aplicando-se com dedicação de submissa experiente, que não é, não apenas porque sabe o quanto teve de implorar para ter o privilégio de ser acolhida como carne de Meu uso, mas, principalmente, porque anseia pelas delícias que experimentará, caso seja bem sucedida em ser reconhecida como cadela por Minha impiedade de Dominador.
Vem, enfrentando, espantosamente, com sujeição de veterana o variado elenco de perversidades & ultrajes a que venho submetendo seu corpo & espírito.
Apresentou-se usando uma saia curtíssima, na exata medida juvenil para sua idade. Com a destreza sem culpa que as fêmeas trazem do nascimento, separou as coxas à inspeção firme para conferir se obedecia à imposição de “sem calcinhas & sem pelos”. Ganiu, sem tentar defender-se ou afastar-se, sua feminilidade desavergonhada de vadia ao ter suas pregas de boceta esmagadas com violência por Minha mão. Rebolou com perícia quando inspecionei seus buracos de boceta & cu & lambeu, confessando sua inata escrotidão de vagabunda, deliciada, seus sucos de rameira que emporcalhavam Meus dedos.
Se submeteria porque devia & devia porque necessitava.
A pedra-alma do sadomasoquismo: nunca se subestime o incontestável poder absoluto dos mind games.
Consciente de que, com ou sem penetração, seria fodida pela maldade o tempo todo em que estivesse em cativeiro (& desejava desfrutar cada momento até à insanidade do prazer), livrou-se das roupas & assistiu extasiada enquanto elas queimavam incendiadas pela chama de Meu isqueiro. Não poderia deixar a casa, a não ser que Eu lhe fornecesse vestuário.
                                                                          §
São Paulo, madrugada.
Desperdício de lindas sombras cinzas fantasmagóricas. Já não se fazem filmes noir como antigamente. O tempo de horas depois da noite em que as pessoas medíocres se protegem em suas casas para pensarem sobre as coisas desimportantes de suas vidas, para se preocuparem consigo mesmas & repousar sua hipocrisia para usá-la revigorada logo pela manhã. Porém, deixam as ruas da cidade para Mim & até no café fiel de madrugadas na avenida principal as presenças, abençoadamente, são poucas.
Uns dez anos, desde que decidi afastar Carol Ashy das delícias da dominação rastejante em Meu Chão.
Pasto sexual de machos antes mesmo de perder a virgindade, mulher de homem bonitão com casamento protocolar, inclusive “abençoado” por uma menina - diabólica criança normal que tive o torturante infortúnio de ver uma vez, por uns quinze minutos, correndo endoidecida aos gritos, como se pretendesse com seus estridentes berros agudos exterminar algum desventurado invisível vilão psicopata marciano – era o que se denomina uma heterossexual convicta, embora jamais tenha vacilado à participação entusiástica em todas as práticas sáficas que lhe ordenei para satisfação de Meu prazer sádico em dezenas de sessões. Nem como bissexual recreativa poderia ser definida.
Agora ali, na promíscua visibilidade de uma mesa de calçada, acariciando tão cuidadosamente os cabelos de outra mulher, com indisfarçável amor aplicando beijo tão terno num tão jovem rosto rosto feminino? Nem o impossível é impossível, aprendi pela vida, mas virada em lésbica devoradora de quase adolescentes?
Pretendia ser-Me surpresa, porém, avistou-Me atravessando a rua, um sobressalto de canastríssima teatralidade &, sem dúvida, obrigou a moça a colocar óculos escuros.
O abraço verdadeiro com a força da paixão que é irremediavelmente viva depois de nascida, a encoxada quase dolorida para espetar o ventre no Meu, o beijo na boca divertido como aconselhava o bom tom para amigos que já viveram maior intimidade, o sorriso arquejando na curva dos seios a alegria do reencontro, mas Eu sempre soube que, quando sorri, a maldade tem dente vermelho.
Intimidade de malícia escancarada sem a formalidade de apresentações. As costas da mão acariciando com cuidados de posse a rosto da jovem.
“Quer saber o que sei de mais imundo do interior de Alice que ela esconde nas sombras de uma indecência de puta que esse rostinho de inocente não denuncia?”
Em tempos de idade, pouco além de uma menina adolescida.
Jamais fui entusiasta por carnes de juventude: carregam a insipidez da insuficiência de maturação pelo uso. Estranhíssimo então, que, a cotoveladas, Meu pau se debatesse para crescer volume dentro do aperto da cueca a cada um dos “Sim senhor” & “Não Senhor” que aquela redonda boquinha sussurrava em resposta às Minhas indagações, com as carnes naturalmente rosadas daqueles lábios sem traço de batom. Sua canina subserviência era como a de uma aterrorizada criança amestrada em um católico canil/orfanato dirigido por freiras nazistas taradas.
“Os lábios de entre as coxas são tão deliciosamente saborosos para uso quanto os da boca. Eu mesma lhe rasparei os pelos assim que determinado”.
Enquanto por baixo da mesa Meus dedos invadiam a pegajosa umidade de uma racha que estremecia inquieta, Carol Ashy ostentava uma para Mim desconhecida perversidade vingativa ao apregoar as potencialidades de prazer daquele corpo, que desejava ver inteiramente violentadas, uma a uma por Meu Arbítrio Sádico.
Beijo de devoração.
O hálito de sua língua inchando-se na ansiedade da sede que não que ser saciada fedia à doçura acre da fêmea acadelada em animalesca escrotidão.
O cheiro de mijo em Minha mão não fedia à urina mas transcendia ao perfumado aroma de definitiva submissão. Chupei o dedo & senti o paladar da submissa descoberta.
A iniciação aos territórios do Marquês seria, tinha de ser, Minha.
Carol Ashy comandou, então, que Alice retirasse os óculos escuros.
O deleite da total depravação.
Três bocas esforçando-se em cinismo para não sorrirem para a madrugada a viciosa plenitude do deboche.
Os segredos desvendados permanecem picantes quando a cumplicidade ainda insiste em encará-los como segredos, mesmo após revelados.
O decidido beijo de estímulo dominante de Carol na face de Alice impulsionou o eloquente discurso de econômicas palavras que são a significância da existência de um Mestre na Arte do Sadismo:
“Eu imploro pela dádiva, Senhor”.
                                                                         §
Pouco tempo para os 120 dias do Marquês, ou mesmo para os de Pasolini, porém, foram alguns, vivenciados num dionisíaco inferno de intensa licenciosidade.
Prazer?
Dor?
Como um sem o outro?
Os lábios bonitos sussurravam incessantemente esse mantra para os ouvidos famintos de sua alma escravizada...
Quando bebeu a goles de afogada Meu mijo quente espumando em sua boca; quando Meus dedos estimularam com impiedade relâmpagos doloridos nos bicos de suas tetas espancadas; quando cada vergastada de cinto em sua bunda apertou seus olhos, contraiu seu cu & encharcou suas coxas com suas secreções rameiras; quando conduzida à beira do limite da privação de ar martirizou com violência os seios, torcendo-os, como se os arrancando do peito alcançasse alívio à sua angústia; quando embriagada saboreou todos os infinitos paladares dos buracos de seu corpo agora com um sabor único de luxúria enlouquecida; quando ordenhou Minha rola com devoção de pecadora & devorou cada gota de Minhas esporradas com o apetite da decaída desesperada pela libertação; quando cada bofetada era uma corrente elétrica de desprezo gratificando com a humilhação da verdadeira tonalidade avermelhada as faces de sua alma cadela; quando contorcida dentro da jaula lutava contra o cansaço & estremecia em sobressaltos para evitar que o relaxamento do sono fizesse escorregar o plug para fora de seu ânus; quando em infantil tentativa de alívio, passava o dedo lambido em saliva na ardência abrasada de seu diafragmático buraquinho de rabo, agora transformado em apetitoso cu enrabável, virado em arrombado botão carnoso, às custas do compulsório agasalhamento arrombador constante do gordo plug anal; quando imobilizada apenas por Meu comando nas mais incômodas posições enfrentava os longos períodos de solitário silêncio com dedicação extrema que não era soberano & ela não cedia nem mesmo quando seu corpo fazia-se temporário soberano e ela não conseguia evitar a expulsão de seus animalescos excrementos; quando enraivecida socava o grelo inchado para obrigá-lo a retrair-se & não a fizesse fraca na luta contra o orgasmo que se julgava irresistível & ameaçava explodir a cada toque, a cada pensamento.
E a cada estalar de dedos, engatinhou até a jaula, voluntariamente trancou a porta gradeada & acomodou-se cansada sobre o chão de trapos, depois de um tempo imundecidos, que lhe foram repouso nesses dias. Enquanto aguardava pelo pedaço de pão & pela tigela de água, que poderiam não vir, saciava-se de seu suco interior que insistia em continuar vertendo lentamente generoso do dolorido vão de suas coxas. O silêncio dos seus dedos alisando a frincha engordurada troava a Meus ouvidos como uma tempestade em sinfonia.
Assim, absolutamente derrotada em vontade & dignidade, foi, no entanto, vencedora, ao alcançar o êxito primordial exigido por Minha crueldade: vivenciou cada instante de devassidão sem experimentar o gozo que mais ansiava, Por Mim & Para Mim.
O orgasmo só lhe seria permitido quando, enfim, Eu lhe concedesse a honra maior de agasalhar o rascante volume de Meu endurecido caralho arrombando suas carnes cativas ao Meu prazer absoluto.
Ela não sabia que o abate final, afinal, estava próximo, quando a coloquei, coxas arreganhadas em frente ao espelho – após conceder-lhe uma refeição normal & permitir-lhe um banho; telefonei a Carol Ashy como acordado - apenas o fino foco de luz iluminando-lhe a racha, passei-lhe o cinto ao redor do pescoço & ordenei-lhe que usasse o consolo com veemência até o limite da gozada. Quando o orgasmo se avizinhava, o estrangulamento, a bofetada & o processo recomeçava. Uma meia dúzia de vezes já.
Alice exausta.
Porém, totalmente rendida em obediente submissão.
Um indefinível cheiro fortíssimo - mistura de suor de fêmea, hálito de puta, esporra melecada de boceta, catarro de cu - tornaria o ar estranho a qualquer outro, mas para aqueles que conhecemos das luminescentes fragrâncias da maravilhosa escuridão de Sade mesmo antes dele, era o embriagador perfume do prazer eterno das divinas bacanais pagãs.
Os incendiados olhos cinzas de Carol Ashy, com seu metálico brilho, a tudo testemunhando por trás das sombras.
Ordeno que pare & se livre do consolo.
Tiro as roupas.
Meu endurecido caralho em majestática prepotência ostenta seu gigantismo ante as frágeis portas daquele acanhado buraco de mijar. Num capitulado contorcionismo desavergonhado, Alice empina-se para facilitar a angustiosa invasão de Minha pica enterrada com brutalidade num ataque sem misericórdia. Agora reina soberana a alucinada violência primitiva de Meu pau alargando, dilatando as paredes de carne de sua boceta, cada estocada multiplicada em força & firmeza. A fêmea da graças à sua sagração como oferenda a ser consumida como animal a ser devorado ainda vivo, agora consciente de que enquanto, despudorar-se & tiver para oferta buracos de corpo a serem violados, devassados & preenchidos, não passará por fome de prazeres de indecência. A puta amaciada na subserviência, despreza agora qualquer intervalo de alívio & repele qualquer enfraquecimento no martírio perverso de seu interior ardente: anseia apenas receber a plenitude de sofrimento do castigo que recompensa. A alucinação comanda a demência do ritmo que se acelera. A indecência animalesca rege a recitação obscena de palavrões, em estimulantes repertórios inventados de fascinantes imundícies. Foder Alice como égua noviça confirma-se realidade do exercício de mentalização de Minha Arte sexual perversa. Minha rola cacetando enérgica seu buraco de boceta. Urros & gemidos em crescente finalizam a foda: o gozo vence o represamento das limitações da carne & nos emporcalhamos em desvergonha, nos inundamos de porras mútuas, nos mastigamos em línguas cúmplices & nos afogamos em bocas derramando ofegantes salivas unificadas.
Alice chora, sorrindo felicidade única.
Não o choro convulsivo, em desespero; mais aquele incessante alagamento de lágrimas que não consegue ser estancado, legendado por um sorriso de animalidade submetida em gratidão. Essa “Mona Lisa” é a obra de arte que gratifica a todo Dominador que concede o privilégio de manipulação de carnes & alma a uma fêmea em acadelamento, no seu processo de transmutação em escrava vadia.
De repente, do mais fundo da escuridão das sombras, emerge o grito bizarro de Carol Ashy sonorizando uma estranha claridade raivosa em seus olhos cinzas. Crava unhas em Meu rosto & insulta Alice. Sacudo-a pelos ombros até que a histeria ceda.
Olhos cinzas transparentes como vidro sem alma fitam desamparo em Alice.
- Você é patética!
Alice para o quarto, Carol a segue, o ódio pela ardor da unhada não Me deixa perceber o que discutem aos gritos.
Alice vai embora com raiva de sangue, Carol corre atrás implorando.
Só resta fechar a porta para o silêncio da madrugada.
                                                                          §
Como ensinam todos os grandes conquistadores da história da humanidade, seja qual for o resultado da batalha, depois é procurar dormir o melhor possível.
A sonolenta coçada de saco registrou no mostrador do relógio: quase seis da tarde.
Até o mais impávido Dominador sádico necessita de um saudável café da manhã: saí atrás do maço de cigarros; estava maluco por uma dose de uísque!
Campainha.
Carol Ashy entrou com a conformação da ovelha que conhece o matadouro.
- Alice machucada?
- Lindíssima com a pele nua vestida por marcas de chibata. Desceu despida para o almoço, acho que só para me afrontar. O pai a chamou de puta, tentou agredi-la, enfiei um garfo em seu ombro. Vestiu-se & correu, dizendo que para nunca mais voltar. Também saí para sempre. Já liguei para o advogado. Dura demais o que há muito deveria ter acabado.
- Tentou saber?
- Não, tem amigos & deve agora meditar seu tempo. Tem meus olhos, reparou?
- Tem mais de ti: fêmea com a mesma fome por depravação humilhada.
- Uma criança quando a conheceu. Porém, logo revelou no olhar adolescente. Escondida, vestia minhas roupas de couro. As leituras esquivas no cúmplice silêncio corruptor dos tardes das noites. Depois o computador. Impossível ignorar ou reprimir essa desenfreada revelação. Não casual o encontro em seu café de sempre. Quis minha filha entrando nesse mundo de maravilhas, atravessando por Seu espelho, Lewis Magister como eu um dia.
Com ternura na ponta dos dedos finos perfeitamente manicurados acariciou os três arranhões riscados em Meu rosto.
- Imperdoável meu descontrole.
Impávido que nem Muhammad Ali, tranquilo e infalível como Bruce Lee, o murro no estômago a fez vergar-se num gemido surdo & desmanchar-se em câmera lenta até o chão.
Seus olhos cinzas puseram-se mansos como areias calmas.
Respiração forçada, voz quase inaudível.
- Não quero hotel nesse momento: posso dormir aqui?
Despiu-se cachorra para Meu sorriso maldoso – em mais de dez anos, suas carnes, praticamente inalterado pasto para transgressoras diversões degeneradas - & ao estalar de dedos rastejou para a jaula que lhe era tão saudosa de delícias relembradas.
Tempo pouco mais de um puta que pariu mental & torcer a tampa da garrafa de scotch &...
Campainha.
Tranças infantis & um leve vestido solto, do qual se safou com perícia, Alice melancolia em súplica.
- Tinha de sair daquela casa.
- Sua mãe está na jaula.
Baixou os olhos cinzas como areias calmas.
Estalei os dedos.
Engatinhou rebolando a bunda.
Maternal, Carol Ashy abriu a porta da jaula como se sorrisse & espremeu-se às barras de ferro. Alice buscou espaço acomodando suas carnes às dela, com desamparo de quase criança & fechou a porta gradeada.
Os dois pares de olhos cinzas continuaram brilhando para Mim, mesmo após Eu ter apagado a luz.
O scotch derramado nas pedras, a tragada funda na fumaça quente do cigarro & no final do click do Zippo, o pensamento: “Puta merda, vai ser uma longa noite curta de domingo!”



sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A Dor Premia Com Prazer

Foto: House of Taboo
“Temperar nosso destino com a poeira de nossa loucura, esse é o truque.” (Henry Miller)
Esse texto é baseado em fantasias imaginárias. Qualquer coincidência com a semelhança será mera realidade.
 
(Na Idade Média, acreditava-se que forças malignas não podiam fazer-lhe nenhum mal, desde que você não as acolhesse na sua alma. E advertiam: demônios materializam suas tentações, principalmente, por intermédio de sensações, como a dor, por exemplo.)
Não há um mecanismo lógico de disparo, apenas acontece num instante, antes mesmo de o cérebro ser avisado, as narinas se dilatam, alertando sobre a presença de carne implorando a ser sangrada.
Com estudada arrogância de juventude, soprou a fumaça para o teto como a reafirmar a postura de inabalável insolência de fêmea competitiva & confiante na tranquila manipulação da infantilidade dos apetites masculinos, cruzou as pernas de maneira desafiadora para deixar o possível de carnes deliciosas das coxas à mostra. O que esperava: que Eu salivasse & uivasse para a lua?
Achava mesmo que Eu acreditava nessa bobagem amadorística de vivenciar a experiência tão a fundo de modo a transmiti-la plena de verdade & emoção aos leitores? A proto Hemingway menstruativa de butique de shopping estava absolutamente convicta de ser capaz de pisar da esmerdeada lama das trincheiras da realidade & sair altiva & perfumada direto para a cerimônia de recebimento do Prêmio Pulitzer.
“Pode, sem dúvida, me fazer chorar de dor, mas sentir prazer & humilhar-me a ponto de implorar pelo orgasmo? Me espanque. Já! Sem limites!” Não tentei adivinhar onde teria conseguido a chibata que, atrevida, Me ofertava em duelo. Nem idade, nem necessidade de aceitar esse tipo de provocação de uma fedelha petulante, mas, como no tempo de tomar juízo preferi tomar uísque, melhor sorrir mentalmente com o velho humorista: passarinho que come pedra sabe o cu que tem.
Despiu-se com estudado erotismo de mulherzinha entediada que frente ao espelho se representa heroína de livros pornográficos idealizando musculosos machos cinematográficos encantados. O gourmet sabe que deve apreciar a carne pelo sabor, porém, é inevitável que preferencialmente volte o olhar de apreciador às novidades mais frescas exibidas nos ganchos do açougue.
Na nudez, o rosto juvenil não conseguia deixar de desmascarar a primitiva fêmea animalizada em emboscada. Os seios, sem preocupação com a estética mercantil, fartos na proporção harmoniosa para acomodarem bicos insolentes quase descoloridos. A curva da cintura anunciava com eloquência a depravação da boceta generosa, pelos aparados no modismo sensual, lábios do sexo ainda calados em resguardo. A virada estudadamente casual expõe as nádegas apertadas: se ela realmente tivesse o cu que aquela delícia de bunda anunciava...
“Pronta. O que você vai fazer agora?” A bofetada estampou um vermelho imediato de humilhante susto dolorido sem anúncio em sua bochecha. “De agora em diante, trate-Me apenas por Senhor & só fale quando for questionada.” A abertura de lábios ameaçando nova palavra virou silêncio de espanto inconformado com o segundo tapa. A orelha torcida em dor ouviu Meu comando sussurrado & a resposta gaguejada em inconformismo trouxe a mesma voz de antes, apenas agora sem  acento de pretensão desafiadora: “Obrigada, Senhor... um caralho!” Jovens inquietas aprendem rápido, necessitam apenas de pequenos encorajamentos. A torção no bico de seu seio era ácido fervente entrando em seu corpo. O grito durou um tempo indefinido, para ela deve ter sido longo, até que se calou na inutilidade da resistência que tentava fincando as unhas em Meu braço. “Conte, lentamente, muito lentamente, até dez, vagabunda, dizem que é bom para recobrar a calma.” Não como sinal de submissão, apenas ajoelhou-se numa postura natural de defesa contra o sofrimento. A terceira bofetada atirou-a ao chão como um trapo de carne. O choro, silencioso, compulsivo. “Como deve dirigir-se à mim, puta escrota! O grito esguichou medo gelado em sua espinha;  arrepiou-se arregalando os olhos. A raiva que iluminava seu olhar apagou-se instantaneamente ao novo levantar ameaçador de Minha mão & a frase mágica formou-se doce em subserviência: “Obrigada... Senhor.”
Agarrada pelos cabelos, obrigada a mover-se de quatro como qualquer animal, levei-a próximo ao telefone: “Caso sua prepotência fraqueje & deseje pedir auxílio a alguém,  a algum machista porco chauvinista talvez? O número da polícia deve saber. Não seja econômica na revolta, vai tornar as coisas mais divertidas para mim & muito mais deliciosas a você, acredite.” O deboche de Minha gargalhada estava sendo mais doloroso do que a sola de Minha bota esmagando-lhe o rosto contra o assoalho. Tirei o cinto e apliquei-lhe meia dúzia de vergastadas nas carnes da bunda que, alegremente, responderam com vergões vermelhos. Gado a gente marca, passou-Me a frase da canção de sucesso à época. Seria capaz de ficar a noite toda torturando-a, apenas com esse humilhante tormento. “Não quer dar um tempêro especial à sua história com o sabor da injustiça dos chãos desse mundo?” O pavor devia ser imenso para, automaticamente, responder à ironia, lambendo com determinação de cadela a sola de Minha bota. Podia sentir sua língua percorrendo o couro, quase como se trabalhasse direto na pele de Meu pé. Com gente é diferente, porém, com fêmea submetida, é igual, sempre. Liberada do peso, abanava nervosamente a cabeça, num inconformismo animalesco impulsionado pelo temor. Passava as costas das mãos pela boca, na inútil tentativa de amenizar a dor dos lábios & livrar-se do azedo sabor da realidade da vida, agora para sempre grudado em sua língua. Um filete de sangue escorria pelo canto direito de sua boca, emprestando-lhe uma maravilhosa aparência de desamparo.
Pronta a ser comandada como animalzinho amestrado. “Quando irá implorar para que o prazer da dor continue a lhe ser concedido é uma questão de tempo que dependerá mais da resposta de tuas desprezíveis carnes prostitutas do que de Mim. Por enquanto, é suficiente que já tenha aprendido que o comando é Meu, indiscutível & que qualquer vacilação será punida com sofrimento em dose sempre crescente. Entendeu?” Um leve acento de revolta retornou a sua voz agora vacilante, quando respondeu: “Sim Senhor.” Meu sadismo entesou-se em ainda maior perversidade pela diversão que prometia ser além do que havia imaginado.
Puxei uma cadeira, apanhei a chibata & apenas encarei-a. Foram poucos hipnóticos segundos &, sem qualquer comando, ela ajoelhou-se, olhos baixados ao chão, respirando forte. Um velho pequeno truque que sempre funciona com plateias novas. A vontade de rir era imensa ante aquela previsível sujeição patética. Seu desespero era indisfarçável. “A putinha nojenta quer falar alguma coisa? Tem Minha permissão.” Agora era a mais pura vergonha que provocava hesitação em suas palavras. “Eu preciso, mesmo, Senhor, fazer xixi.” Impossível manter a solenidade. A sonoridade de Minha gargalhada deve ter contagiado todos os moradores do prédio. “Quem faz xixi é criança, sua ordinária; cadelas são animais que simplesmente mijam. Mas claro, Me julga algum monstro sádico? Pode fazer.” A incredulidade em seu olhar era cômica. “O que está esperando? Medo de estragar o tapete caro que ganhou de presente do papai rico? Se demorar mais um minuto, posso Me arrepender. Portanto: mije, já, animalzinho escroto!” Apesar da inutilidade, ainda tentou com os olhos implorar por piedade, mas o medo empurrando a natureza encarregou-se de revelar a indignidade conformada e o filete de líquido quente amarelado começou a verter, a princípio tímido, depois incontrolável como um dique rompido, da racha de sua boceta, escorrendo por suas coxas e fazendo crescer uma poça mal cheirosa onde flutuavam seus joelhos. Quase irresistível, mas Eu precisava parar de rir apesar do rídiculo de sua vergonha por, degradada, estar prostada & emporcalhada daquela maneira. Retomar a ritualidade do horror. “Sua porca! Lamba a sujeira que fez.” Pelos cabelos esfreguei sua cara naquele alagado de urina. Hesitei um segundo, optei ainda pelo cinto. A chibata deveria vir num momento mais cerimonial. As pancadas com maior violência prestigiavam agora a brancura das costas & eram respondidas com maravilhosos gritos & gemidos, entesante trilha sonora para o diabólico desenho que ia se formando em sua pele.
Seu rosto transformado numa máscara úmida e pastosa expressava absoluto desamparo & incompreensão. Poderia ser ainda mais repugnante? Decidi ser piedoso & ofertar-lhe a resposta. O sadismo ditou o tempo e a pressão exata de Meu dedo descendo por suas costas, com perversa lentidão, até intrometer-se decidido pelo vão de suas nádegas, alcançar a interdita entrada de seu ânus & invadir decidido o umedecido território de seu cu. A dor intensa arrancou-lhe outro grito desesperado que explodiu de seu peito até morrer no silêncio do desamparo, sugando o ar entre os dentes. Tentou esquivar-se, porém, o encaixe perfeito não lhe permitia escapatória & então, simples & suavemente rendeu-se, afrouxou os músculos &, ao contrário de resistir, arreganhou-se o mais que pôde para, mais do que acomodar, derrotada, incorporar aquele indecente intruso inquieto no mais fundo de seu corpo. A sobrevivência da carne impondo-se à razão. Seu respirar era pesado, compassado, porém, um novo elemento incorporava-se ao seu servilismo ofegante: sem dúvida, estava experimentado uma tormentosa sensação de deleite no desfrute daquela dor obscena. Inevitável: a fêmea havia ingressado no sem volta do caminho da depravação. Quase involuntariamente sua bunda oscilava numa dança degenerada ao ritmo da ponta de Meu dedo que arrobando cada prega de seu rabo, com perversidade, buscava tocar o ponto infinito de seu sofrimento. Virou-se & por sobre o ombro, entre lágrimas, mostrou-Me um sorriso de fera denunciada, mas ainda querendo ser domada. A luxúria não consegue usar máscaras.
Retirei o dedo de seu rabo com rapidez & violência estudada para arrancar-lhe da garganta um soluço dolorido & tornar o  incômodo em seu cu uma sensação que a acompanharia por dias & que lhe traria lembranças Minhas pelo resto da vida a cada vez que tornasse a sentar-se. Não importa quantas vezes tivesse feito ou viesse a fazer sexo anal: Eu havia, irremediavelmente, acabado de violar, com impiedosa libertinagem, o lacre de dignidade hipócrita daquele pretensioso buraco de cu.
Puxando-a pelos cabelos, aos trancos, levei-a até a mesa, fiz com que se acomodasse de bruços, peitos desconfortavelmente esmagados contra a madeira, braços abertos em xis, as mãos agarrando a beirada do tampo. Dois pontapés afastaram suas pernas ao máximo. Entregue, totalmente indefesa. A boceta umedecida exposta sem censura contraía-se ritmadamente como se tivesse urgência em respirar para livrar-se da pegajosa saliva incômoda que vertia com generosidade, como se vômito & prazer fossem sinônimos. Apesar de tudo, sua bunda, majestosa, dominava o cenário, sabendo-se, instintivamente, a personagem principal, à espera apenas do sinal do maestro para realizar seu ansiado solo.
Acendi o cigarro, traguei fundo a fumaça, pousei Minha mão em sua bunda & com premetidado cinismo falei baixo em seu ouvido: “Nenhuma melodia mais agradável aos ouvidos de um sadista do que os gritos & gemidos da submetida em martírio. Porém, esse apartamento não é o local mais indicado para esse suplício & não vamos querer escandalizar os sensíveis ouvidos da vizinhança de bacanas, não é mesmo? Poderia simplesmente amordaçá-la, mas preciso que esteja com a boca livre. Então, não quero ouvir um pio sequer durante a flagelação. A destemida mocinha não irá Me decepcionar, certo? Vamos fazer um teste.”
A brasa do cigarro pousou decidida na carne de sua bunda & foi queimando sem pudor até ser esmagada. Dela apenas um grunhido atormentado que foi se transformando num choramingar de sonoridade felina, infantil até, quase inaudível do bar ali perto. Porra, vinho é um suco de uva que deu errado! Essa vadia tem apenas esse só quase final de garrafa de mijo de virgem escocesa com aroma de turfa, sabor de malte e álcool de embebedamento onírico na casa & nem da Minha marca? Well, scotch pelo menos. Distraída olhada nos LPs. A putinha pernóstica até que tinha algum gosto. Ah, revelação!
Ia aprender que vida tem uma letra a menos o que merda, mas quase sempre pode cheirar pior.
A agulha sussurrou o protocolar chiado & logo os acordes de “Capricho Catalán” escorreram toda a limpidez de sua sanguínea espanhola sensualidade pela ponta dos dedos de Andres Segovia. Voltei a colocar Minha boca colada a seu apavorado ouvido: “Hemingway tinha quarenta e um anos quando escreveu Por Quem Os Sinos Dobram. Quarenta e um pode ser um número emblemático para quebrar tua resistência de vaca que não merece o desprezo de ser toureada. Vai contar as chibatadas uma a uma. E a cada uma lembre-se, prostitutazinha: não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
Seu interior já está incendiado, por menos que admita. “Agora vamos trazer esse fogo para fora, atravessando toda sua carne, até a superfície de sua pele.” Sentiu a primeira mordida impiedosa do couro.
“Uma.”
Doeu? Pois agora vai saber o que é a dor na sua mais pura essência, sem adjetivos.
“Duas.”
Calvário. Abriu os joelhos em estremecimento convulsivo. O som agudo das tiras da chibata atravessando o ar, despencando-se, depositando lindas marcas naquela pele branca. Vergões ardentes.
“Três.”
Recitando os números de sua ladainha de dor. Medo, era o desamparo personificado, porém, seu corpo atestava que pela dor & humilhação estava se realizando em úmido prazer descontrolado.
“Quatro.”
Todo seu líquido repertório de sucos femininos vazando por boceta & cu, misturados ao suor do sofrimento.
“Cinco.”
Espasmos involutários, sem dúvida de prazer, em resposta ao som breve & cortante da chibata impiedosa.
“Seis.”
Dor & prazer, sentimentos gêmeos juntando-se numa única realidade de fervente delícia enlouquecida naquele corpo seviciado.
“Sete.”
Tremendo de gelado pavor no meio da fogueira de suas frustrações derrotadas.
“Oito.”
Delícia assistir aquele festival de hematomas & vergões materializar-se na brancura de suas costas & ancas.
“Nove.”
Carne. Em pedaços, artigo de balcão de açougue. Arrumadas de um modo sensual, o corpo despido de uma fêmea.
“Dez.”
Porém, sempre carne a ser devorada para saciar apetites, quaisquer apetites.
“Onze.”
A puta submetida agradecendo pelo privilégio de ser acolhida em servidão.
“Doze.”
Deliciada, mesmo sem entender o enigma de ser chamada de puta, sentir-se gratificada ao invés de afrontada.
“Treze.”
Um ou outro risco avermelhado tornou-se mais intenso, brilhou líquido e então, escorrendo sangue. Lágrimas vermelhas de morte & vida.
“Quatorze.”
Cada chibatada recitada: pela vida carregaria uma marca de dor & prazer para cada minuto de insolência.
“Quinze.”
Respiração curta, apressada, olhos estreitados, narinas dilatadas, lábios retos como se enraivecidos, angústia personificada.
“Dezesseis.”
Aprendia a vadia, que a verdade é um troço contagioso que, mais dia, menos dia, te contamina & aí não tem volta, é como radioatividade, vai matando a ilusão da alma aos poucos.
“Dezessete.” 
Conte como verdade admitida à chibata como um segredo imundo seu & a armadilha de encarceramento à servidão fecha-se para sempre.
“Dezoito.”
Essa é a verdadeira morte libertadora & não a babaquice de que falam todos os messias de esquinas do mundo desde o início dos tempos.
Enfrentando o seu medo & o vencendo justamente pelo pavor.
“Dezenove.”
Ardor, centelha emocionante, excitante calafrio aumentando gradualmente no desconforto latejante do sem alívio da surra.
“Vinte.”
Boceta transbordando euforia líquida.
“Vinte & uma.”
Na claridade de seus olhos brilha o êxtase da agonia.
“Vinte & duas.”
A pretensiosa agora dispensa qualquer falsa indulgência, pois, sabe, não importa a punição, será capaz de suportar, porque é isso que Minha vontade ordena.
“Vinte & três.”
Seu corpo torturado agora grotesto repertório de lacerações, apenas um brinquedo à disposição de Minha mente pervertida em sadismo.
“Vinte & quatro.”
Aquele apetitoso amontoado de carnes femininas transformado agora pela Minha Arte para o formato de fêmea escravizada em prazer à Minha Vontade.
“Vinte & cinco.”
Transgressão para ela antes inimaginada: o corpo da puta ansiando pela possessão em crueldade, iniciava seu domínio sobre mente & alma da mulher entregue.
“Vinte & seis.”
Uma onda de calor indecente subia pelo ar.
“Vinte & sete.”
Mesmo sem estar amarrada, sabia não haver qualquer chance de fuga, simplesmente porque não a desejava.
“Vinte & oito.”
A chibata chovia uma dolorida tempestade de descargas elétricas sobre a ardência de sua pele lacerada.
“Vinte & nove.”
Aroma penetrante. Cheiro de fêmea de sua boceta invade triunfante o ar.
“Trinta.”
O apartamento cheirava agora a um salgado e enjoativo odor de organismo vivo que, magicamente não se confundia com os hálitos & suores que seu corpo de cadela exalava & que as paredes flatulentas inspiravam sem conseguir transpirar.
“Trinta & uma.”
Rosto borrado pelo choro agora compulsivo pelo desprezo que experimenta.
“Trinta & duas.”
Corpo, bandeira enlouquecida, listras de dor. Suor escorrendo brilhante.
“Trinta & três.”
Suas carnes agora são o familiar, ensanguentado, escuro caminho subterrâneo pelo qual posso pisar de olhos fechados, sem cuidado, porém, com a segurança da posse indiscutível do conquistador.
“Trinta & quatro.”
Sabia, haver sido derrotada na batalha de vontades por seu próprio instinto animal de fêmea rendida às delícias do seviciamento.
“Trinta & cinco.”
A mente da mulher tomada sem defesa em possessão pelas carnes do corpo da vagabunda. Escultura viva, isso é, a escrava sob jugo.
“Trinta & seis.”
Soluçando, congelada em silêncio amedrontado, o fogo da raiva & do orgulho apagado pela degradação, implorava com o olhar.
“Trinta & sete.”
Rostos de mulheres lindas são sempre quentes. O dela naquele instante devia estar diretamente ligado à boceta. Queimava chamas de sexualidade pronta a explodir.
“Trinta & oito.”
Corpo açoitado, nua, branca como aquela que veste a túnica da bruxa condenada a caminho do fogo purificador. Na testa, entre os olhos, o estigma das amaldiçoadas abençoadas pela sofisticada delícia única: saber que o sofrimento é o preço do prazer indescritível, sem limites.
“Trinta & nove.”
O suor abundante como uma líquida embalagem transparente que, apesar de frágil, parece ser a única força do mundo capaz de sustentar agregada aquela massa de carnes distorcidas pela dor.
“Quarenta.”
Nada de novo debaixo do céu.
A verdade está sempre de emboscada pronta a nos assustar e pular à nossa frente & nos cuspir na cara todos os medos que nos foram impingidos pela falsidade do mundo dos outros.
Conheço-a pronta a  implorar para ser eleita como suicida escolhida em Minhas entranhas em labaredas sádicas.
A submissão incondicional dita-lhe a frase:
“Senhor, minha entrega a ti começa na alma & explode no gozo da carne. Imploro que me conceda a permissão do orgasmo”.
Silêncio angustiante.
Suas carnes em alerta esperavam a permissão para cantar em gozo a chibatada de número quarenta & um que... não veio.
Virou-se, olhos arregalados em incompreensão.
“Orgasmo? Huuum, palavra interessante na boca de uma emancipada & liberada mulher que acaba de submeter-se de maneira tão degenerada aos Meus instintos animalescos mais básicos. Por quem os sinos dobram? Se quiser gozar, masturbe-se no quarto escuro, com a porta trancada, com os olhos fechados, pensando na Mulher Maravilha lavando as cuecas machistas do Super Homem. Para Mim, você, menininha arrogante, nem para depósito de porra serve. Vai para a Minha biografia de sádico, apenas como mais um dispositivo portátil de desprezo”.
O grito de frustração em desespero que escutei após fechar a porta em Minhas costas seria perfeito para sonorizar o quadro do Edvard Munch.
Se a vingança é um prato que se come frio, aquela Eu degustei como picolé & fez até valer muito a orgiástica & chafarística punheta que fui obrigado a tocar naquela noite.
Como sempre digo, só há um prazer quase comparável ao de se ter as mulheres que se deseja: poder rejeitar aquelas que se despreza.
A matéria jamais foi publicada. A revista esquerdoide para classe merdia alegou questões com a censura militar. Na verdade, ninguém teria colhões para, ainda mais àquela época, divulgar um texto, que ela Me enviou, finalizado com o seguinte parágrafo: “Protagonizar uma sessão de sadomasoquismo alterou permanentemente minha existência enquanto mulher. O S&M  agora é a tragédia onde gargalho, a comédia onde choro. A cela onde me liberto. O deserto que me aprisiona. A armadilha que sei que não devo, mas na qual quero ser aprisionada. É o barulho que me acalma, o silêncio que me ensurdece. É a origem do mundo & a morte pela qual ele renascerá. Sempre excesso & falta. Sempre sacro & obsceno. Invasor e bem vindo. É onde esqueço meu nome, onde me lembro de mim. Onde o dominador me lembra. Onde me esqueço. Onde me desequilibro. Onde escapo. Onde me capturo entregando-me em escravidão. Hermética simplicidade sem códigos. Faca e carne. É o  caminho conhecido onde me perco. É o desconhecido onde me encontro. Ali vivo depressa & morro lenta com vontade de ressuscitar. Nunca mais serei a mesma que ali chegou pela primeira vez. Lugar onde meus silêncios se encontraram & encontraram o lugar exato para se gritar escravos na obediência. E a eloquência dos golpes da chibata ensinou: A DOR PREMIA COM PRAZER!”
Tentou mais um contato pessoal, por algumas vezes ainda implorou por outra sessão. Inútil.  Ignorei. Depois de um tempo, soube, casou-se com um rico empresário católico & foi viver num país meio congelado do Norte. Por alguns anos a assisti, sucesso, correspondente internacional na televisão de maior audiência. Então a areia da ampulheta cobriu a lembrança com a indiferença, o tempo escorreu anos & levou com ele a maioria dos conceitos, preconceitos, slogans idiotas & a certeza imbecil de chavões, clichês & frases-manifesto.
Não mais a soube.
Até quando estourou escândalo com um alto dirigente político internacional envolvido em práticas sadomasoquistas, comandadas pela esposa de um poderoso empresário, que atendia pelo apelido de “Mulher Maravilha” & que tinha tatuada na nádega direita a frase: “A Dor Premia Com Prazer”.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

A Mulher de Cabelo Vermelho



Foto: Elena & Vitaly Vasilieva
Well: era uma vez um cara chamado André que não sabia se o pai chamava Jonas ou João, que tinha um irmão mais novo chamado Pedro, que trabalhava num negócio de peixes com dois caras chamados Tiago & João (filhos de um cara chamado Zebedeu que também tinha um negócio de peixes) & que com um amigo João, foi aluno de outro João & junto com esses caras & mais outros caras formaram uma patota em torno de um carinha estranhíssimo que falava coisas muito estranhíssimas, de quem tornou-se um dos melhores amigos & como adorava falar mais do que a boca, começou a repetir as coisas estranhíssimas que o carinha de quem era amigo falava, envolveu-se num monte de confusões, foi perseguido, atacado por multidões, escapou de ser preso & julgado muitas vezes, tinha sempre anjos & demônios ao seu lado.
E o que Rouge tinha a ver com essa história de pobres cheirando a peixe, mais cheia de joões do que a vida de dribles do Garrincha?
O caso é que esse tal de André, um dos principais discípulos de Cristo,  protetor dos pescadores, mineradores, açougueiros & fazedores de cordas, invocado na proteção contra a gota, dores de garganta, tosse & pelos casais com problema de infertilidade, quando foi capturado por Nero, na maior ”máscara” desse mundo decidiu dizer que queria porque queria morrer numa cruz diferente da de Jesus. Os romanos, que adoravam esse tipo de insolência, providenciaram correndinho uma cruz em forma de xis, onde André, contentíssimo, sofreu por dois dias até morrer felicíssimo.
O "X" negro no meio da sala, uma cruz de Santo André, um verdadeiro ícone de delícias & perversidades para os praticantes de sadomasoquismo & Rouge, nua aos olhares de todos, amarrada, espera, latejando em emoção & em ansiedade, pela primeira dor do suplício pela flagelação.
§
Noite quente e úmida como sua boceta.
A surpresa de um invasor frio elétrico percorreu-lhe a espinha quando surpreendeu a visita do pensamento obsceno sobre o forno entre suas pernas. Uma estranha sensação de formigamento delicioso entre pernas ao cruzar as coxas no banco de trás do táxi. Um tanto de incômodo, mas não tinha como evitar a quente umidade das suas secreções de fêmea que lhe encharcavam a calcinha.
O velho bairro residencial, periferia, ruas quietas com postes de luz monótonos & as nada novidadeiras apagadas casas baixas — no máximo sobrados — antigas de sempre.
Já tarde da noite para quem acorda cedo, mas ainda não conseguiu fechar os olhos.
Porém, o destino nunca dorme.
O casarão iluminado em fotográfico amarelo pálido, como cenário de filme de terror barato, não tinha qualquer identificação.
Não era preciso.
Rouge sabia que ali ficava o "Kýrios".
Atravessada a pesada porta de madeira, a senha sussurrada à recepcionista com cara de manicure, o corredor cuja pouca iluminação não conseguia disfarçar o cheiro de poeira.
Espera todos saírem do vestiário antes de se despir. Passa os dedos queimando de febre de insatisfação pelos cabelos pintados de vermelho incomodamente luxuriosos como as chamas de uma Ferrari incendiada antes de acomodar a meia máscara dourada no rosto.
"É fácil encontrar demônios: é que, além da falta de coragem as pessoas geralmente não sabem o que devem procurar", Lord Lupus sentenciara, irônico como sempre, antes de dar-lhe as costas.
("Do Delírio ao Êxtase").
O título viera na temperatura exata do primeiro gole de champanhe após, o gozo com um amante bonitão qualquer de expressão inexpressiva.
Alta badalação, a noite de abertura da exposição — série propositalmente descompromissada de snapshots de casais nus fazendo sexo — mais um sucesso de público & crítica.
Quem o dono daquela ironia debochada que sorria complacente para o título na capa do catálogo?
"Interessante — as palavras vinham enfumaçadas pela nicotina do cigarro — mas pura bobice vazia disfarçada em pernosticismo intelectualoide.  Parece esse modismo de filosofia de para-choque de caminhão disfarçada de sabedoria orientaloide de pasteleiro de olho puxado que os ricos usam para dizer que não deve haver apego aos bens materiais e que os pobres imitam para parecerem pedantes... sem bens materiais".
Por que a total abulia ante o atrevimento daqueles olhos que pareciam avermelhar-se na audácia da descortesia? Justo ela, que sempre se soube bonita e cuidava ter aparência elegante & refinada para conseguir levar para a cama os homens que escolhia, com a regularidade de um trem inglês.
"Rouge, não? Você, Rouge, parece um enfeite de bolo de aniversário, mas lobos não comem açúcar. Eles precisam de carne para manter afiadas as presas. Já foi comida muitas vezes, imagino, mas nunca foi devorada. O lobo, antes de atacar, escolhe cuidadosamnete o sangue que quer derramar & a carne que deseja estraçalhar, porque é capaz de reconhecer no meio de qualquer rebanho aquela ovelha que prefere ser devorada a viver seu medíocre destino de ovelha. Ela não conseguirá escapar, mesmo escondendo-se atrás de fotografias eróticas socialmente aceitáveis, simplesmente porque não pode... nem deseja ser poupada".
Lord Lupus elegera Rouge como sua próxima vítima, mas ela não poderia falhar, precisava provar-se digna de ser acolhida como carne de sacrifício.
Chegou perto, mas a entrada em entrega no covil da fera lhe havia sido negada, pois...ovelhas, como lobos, perdem a pele mas... não perdem o vício) Antes dele, havia ganido como uma cadela no cio a cada vez que abrira as pernas para homens, mas agora desejava uivar como uma loba violada entre mordidas de caninos sedentos por sangue. Iria provar-lhe o contrário: depois dessa noite, finalmente se sentiria viva quando o sol nascesse amanhã. Queria ser a vingança da super prostituta que cavalga a besta.
§
Passos leves com cadência de ataque animal às suas costas. Não se atreve a olhar, surgiu sem mais como chuva de repente em dia ensolarado, mas sem dúvida, é um nariz que se introduz no rego de sua bunda e se esfrega ali por um momento. Descompassada respiração quente e úmida contra seu mais interditado buraco. Uma língua quente como fogo, viva & molhada como um peixe, pesquisa intrusa cada dobra de suas pregas & impaciente procura espetar a entrada. Concordara com as regras: não haveria penetração, mas até que a compra se concretizasse, seria carne de caça desfrutável à degustação de qualquer homem ou mulher na casa.
Separa as nádegas & faz força para abrir-se, alargar-se & mexe os quadris demonstrando aceitação. Suspira quando os movimentos circulares repetem-se com perícia naquele ponto tão especial & sensível. A saliva farta que escorre pegajosa queimando suas coxas demonstra a intensa luxúria de quem chupa seu rabo. O grunhido de satisfação que escuta é, sem dúvida, feminino. Porém, quando se volta, ninguém. Ainda só no vestiário. Um estranho cheiro de carne no ar. Será esse o aroma do tormento dos prazeres proibidos? A lua de lá de fora de repente nasce cheia & nova nela & um luar estranho parece brilhar do interior de meu sexo exposto em inocente infantilidade pela ausência de pelos que lhe foi ordenada. Sente-se estranhamente orgulhosa em ostentar-se obscena & sem escrúpulos. Apenas uma pequena transpiração entre seus seios pode denunciar o medo que ainda sente ante o não conhecido que a partir de agora pode apresentar-se a qualquer instante. As cédulas de dinheiro começam a umedecer-se no calor do suor nervoso de sua mão.
Caminha deixando apenas uma névoa perfumada para trás.
Iluminação indefinível. Porém, estranhamente, ao mesmo tempo em que o ambiente parece muito escuro, há uma luminosidade brilhante de cor indescritível que permite enxergar tudo em volta — apesar das nuvens enlouquecidas da fumaça dos cigarros — com a clareza demente da consciência de um alucinado. A música, algo hipnótico, quase inaudível, escorregava insinuante ouvido adentro, fazendo o sangue dançar leve, ritmado, pelas veias do crânio de Rouge.
Um vulto branco, redondo, enorme, uma baleia bípede, cresce lento em direção a ela como se rolasse em silêncio pelo chão. O rosto envelhecido, cheio de buracos que a maquiagem pesada escorrendo pelo suor viscoso não consegue esconder, destaca-se enojante. O baton vulgar começa a falar.
— Eu sou Moby Dyke. Seja bem vinda por sua conta & risco ao paraíso onde o fogo do inferno arde sempre sem queimar. Apenas para aqueles que sabem brincar com o fogo, é claro. Aqui a queda não tem fim. É só a delícia de cair sempre & sempre. Aqui o teatro do sonho vira realidade.
O farisaico sorriso rechonchudo da loira falsa incomoda quase mais do que a transpiração suando perfume que não disfarça o cheiro suburbano de nascença. Não estava interessada em discurso vazio disfarçado em pseudo filosofia barata, como tinha aprendido a desprezar com Lord Lupus. Entrega o dinheiro da maneira mais dissimulada possível. O instante é imperceptível para que sequer tente evitar o beijo faminto & selvagem. A língua veio para fora da boca da gorda, balançada animalescamente, ainda com sinais de saliva grossa gotejante. Tentou não virar o rosto com uma careta de nojo. Rouge reconhece o sabor do próprio cu na língua da cetácea adiposa: “Repugnante vadia nojenta!”, consegue apenas pensar.
A gordurosa meretriz, no entanto, não estava disposta a abrir mão do ensaiado discurso de mercantilismo prostituinte disfarçado em literatice barata.
— O "Kýrios" é onde o burlesco junta-se ao imundo, onde a perversidade corrói o caráter & o deboche deprava as consciências, onde as almas cansadas e vacilantes vêm em busca de alívio. Todos estão aqui para sucumbir às aberrações, às perversões, às máculas do corpo, aos vícios, à malícia sem dissimulação. Entregam-se aos beijos e descaminhos das paixões estéreis. As bocas dos sexos de homens e mulheres aqui vomitam todos os espectros do império do prazer. A maciez do veludo do subterrâneo das mais baixas paixões humanas reveste cada centímetro da minha mansão das trevas interiores.
Conduzida com delicadeza estudada, sabe que está sendo exibida.  Carne humana, feminina e masculina, despida ou quase, brilha em todos os cantos contorcida & retorcida em meio a flagelações, gritos de transpiração gordurosa de prazer, ódio, gozo, medo, tristeza, algazarra de lamentações, de gemidos de tudo e de todos, sorrisos de deboche ou de agradecimento, lágrimas iguais e diferentes.
Réptil calafrio rastejou por sua espinha abaixo, quando ouviu a gargalhada debochada em seu ouvido.
Rapaz até bonito, andando tontamente veio em sua direção & rente a seu nariz salivou um perverso sorriso inundado de baba grossa com cheiro de mau hálito.
— Quem matou Bambi só porque ele era um veadinho?
O rapaz dá uma lambida asquerosa na face de Rouge. Risadinha histérica demente.
— Não o leve muito a sério. A gargalhada do diabo é tão eterna quanto teu sofrimento será no paraíso, comentou com enfado a obesa marafona.
Duas morenas lindas, parecidíssimas. Qualquer um podia jurar que eram gêmeas. Juramento desnecessário. Falaram em sotaque enrolado como numa língua desconhecida.
— Colheradas de amor? É a geleia de pérolas.
Rouge sabia que aquele líquido branco, viscoso & brilhante que lhe era oferecido em colheres de prata & que elas devoravam gulosamente como crianças travessas lambuzando-se com sorvete era esperma. Fêmea adivinha porra antes do cheiro. Apesar do asco, sabia não ser adequado recusar & saboreou com a satisfação que pôde encontrar com o pensamento voltado a Lord Lupus, porém, o suco do macho ansiado lhe havia sido interditado pelo mesmo desprezo que exterminara as borboletas de seu estômago.
— Sabe que um homem normal tem somente nove centímetros cúbicos de esporra em cada gozada? — perguntou esclarecendo Moby Dyke.
§
Finalmente o palco. Uma placa com o número 6 é pendurada em seu pescoço. É colocada junto a outras três mulheres & dois homens, como ela, nus. Sem imodéstia, Rouge soube-se imediatamente linda com seu corpo perfeito & bem cuidado, ante o espetáculo não tão harmônico mostrado pelas carnes despidas das outras quatro fêmeas, como ela & os homens, expostas como gado. A iluminação intensa só conforta depois que os olhos de acostumam. Uma escuridão amarelada tomava conta do ambiente iluminado por uma infinidade de velas de todas as cores, formatos & tamanhos fedendo a cera derretida. Muita gente em pé, fumando, bebendo, falando alto & gargalhando infeliz. Pessoas sós ou em grupos em sofás de couro vermelho umedecidos, brilhantes de transpiração de carnes humanas.
— Hoje vai ser o sábado negro da sua vida.  Não vá me trazer problemas, mulherzinha rica, ameaçou detrás da luz a voz azeda & estúpida como um limão cego de Moby Dyke, que a partir daquele instante comandaria com deboche crescente & cinismo estudado o leilão de escravos.
— Dominadores e dommes: é com grande orgulho que o "Kýrios", a unha infeccionada do dedo ruim enfiado fundo na ferida do cu do falso podre moralismo de nossa sociedade, promove hoje mais um de seus famosos leilões de escravos. Temos em oferta carne da melhor qualidade em todos os estilos, formatos, cores & idades, ansiosa para submeter-se aos seus desejos & caprichos: são seres inferiorizados na ansiedade pela humilhação, a quem não é mais permitido ter tempo para ter medo do medo. Do Gênesis ao Apocalipse, passando por céu & purgatório, vamos conduzí-los ao décimo sétimo dos infernos. A partir de agora a regra no zoológico é: não provoque as feras & alimente os animais.
As gargalhadas escorreram nojentas como saliva de escarro pela alma de Rouge, que tentava focar em pensamento a face de Lord Lupus, mas estranhamente a figura em seus olhos fechados insistia em dar-lhe as costas.
Sessenta por cento para a casa, quarenta por cento para a peça, eram as regras, esclarecera a pançuda gigolette pelo telefone. Como se dinheiro fosse o que nunca foi para ela, Rouge: um problema. Se soubessem o quanto ela se sentia menos que barata, sem valor naquela noite, que facilmente pagaria cem vezes o preço do que eles pensavam estar comprando. Tanto que se oferecera para participar gratuitamente, recusando pagamentos.
Como um rebanho de possessos, alguns homens e mulheres apressaram-se em subir ao palco. Os mais pesados e desprezíveis insultos eram dirigidos individual ou coletivamente aos aos escravos. Mãos ansiosas, animalescas, passeavam sem cuidados & intrometiam-se canibais por todos os recantos das carnes franqueadas ao público exame degenerado dos corpos. A ordem para que se ajoelhassem & colocassem as mãos atrás das nucas. Jatos quentes de urina em seu rosto: Rouge sabe que está começando a sonhar seu pesado pesadelo de ferro.
— Agora essas almas infelizes, os recrutas do exército da putaria, vão voar por sobre o rio da passagem da morte até a vida de delícias no inferno: que comecem os lances!, comandou de algum ponto a voz da paquidérmica loira.
As ofertas em voz alta começaram. Um entusiasmado e competitivo, às vezes agressivo, alarido medieval dominou o ambiente. Seguindo alguma ilógica imponderabilidade, cada escravo era, a intervalos,  exibido à frente dos demais. Números significando quantias em dinheiro era berrados com histeria. As cifras cresciam com entusiasmo demente até que, quando não havia superação, Moby Dyke sentenciava: "Vendido para uma noite de total disponibilidade o escravo número..."
Rouge não sabia precisar por quanto tempo se desenvolveu aquele ciclo de fúria psicótica. Apenas teve noção do passar do tempo quando escutou alguns minutos de estranhíssimo silêncio & deu-se conta de que estava sozinha no palco.
— Vamos lá, minha gente: essa joia de cabelos vermelhos ostenta carnes deliciosas capazes de despertar os mais pervertidos desejos sexuais até de um morto agradecido. Mestres da desordem, sacerdotes do medo: sabemos que a verdade não nutre nenhuma simpatia pelo que é simpático, mas dentro desse corpo, é cultivado um jardim selvagem de sacanagens depravadas. O jovem suco das frutas podres, a nata da podridão da nossa melhor sociedade jorra de dentro dessa boceta que sorri com  graça sem graça de mocinha de novela, posso garantir. Ninguém se habilita a ser por uma noite o imperador do porão da total escuridão dessa alma submissa?
O pregão de Moby Dyke não sensibilizava nem a mudez das paredes.
Para a humilhação desse silêncio de desprezo que lhe era gritado no rosto Rouge não estava preparada. Fechou os olhos tentando não chorar e mais uma vez viu o vulto de Lord Lupus dando-lhe as costas, porém, agora, podia perceber que ele sorria irônico.
— O lance mínimo, alguém?
A expressão hesitante de aceitação apenas incomodou o silêncio. Depois eram risinhos indefinidos de zombaria
Até bonito como qualquer amante, porém, sem graça, masculinidade esfuziante com visual de galã de meia idade de filme romântico da sessão da tarde. Nada do que Rouge havia sonhado. Tentou um chicote, mas demonstrou falta de intimidade até para simplesmente empunhá-lo. Passou os olhos por uma chibata & decidiu não arriscar. O paddle, acabou sendo eleito. Para os amadores ou iniciantes é a própria piscina de criança: dá pé pra todo mundo.
Amarrada à cruz de Santo André, apesar de tudo, os peitos inchando, se enchendo de tesão. Experimentaria um clímax intenso ao sentir o corpo contorcer-se, cortado ao meio pela flagelação?
Relembrou, palavra por palavra o que Lord Lupus lhe dissera um dia.
"Quando desamparada, indefesa, corpo nu vulnerável em espera, a consciência é o pior inimigo da fêmea flagelada. Nunca deve permitir que ela se instale. Não deve lutar, apenas piora a situação. Quando o couro do chicote morder a carne deve deixar o fluxo de dor fluir através dela, simplesmente absorvendo os golpes, usufruindo do prazer. Mas isso deve ser feito logo na primeira chibatada, pois é essa, torturante, que queimará para sempre em sua memória, é a que corta para sempre a pele imaculada de sua alma. E depois, gritar, gritar em agonia frenática é tudo o quanto deseja & tudo o que o sádico quer ouvir"
A primeira pancada numa nádega. Apenas a inevitável dor protocolar. Risadas. A outra nádega é premiada com a mesma imperícia. Em seguida, o ombro direito, depois o esquerdo. As gargalhadas explodiram. Ao suco de morango, a plateia daquele circo de horrores respondia catarro. Mesmo de costas sentia a plateia tensa, ofegante, obviamente muito insatisfeita. A frase em uma voz feminina esganiçada em deboche —“"Essa puta de butique é uma vadia de uma cadela hipócrita!"” — detonou os gritos & zombarias, como se ela houvesse quebrado todas as regras escritas e não escritas do lugar.
Não soube o que aconteceu ao galã de brechó de grife, nem quem a liberou do "X".
Agora eram vaias e alguns objetos indefinidos atirados.
Rouge correu cambaleante para o vestiário.
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— Não fique chateada com ele, é alguém que também acha que pode enxergar seu demônio interior pela segurança covarde de um telescópio, por falta de coragem para encará-lo face a face.
Moby Dyke agora era quase maternal em seu tom.
— Nem se aborreça demais com os outros: animais dominantes sentem o cheiro da mulher que tem medo e, como lobos, se afastam. Não se constrói uma fêmea com coragem de render-se à submissão de corpo & alma sobre as ruínas de uma mulher covarde. A essas, sem entrega na alma, é reservado o destino de purgarem como Anima Sola no purgatório da prática do sexo fácil, que queima mas não consome.
Tentou interromper, mas estava paralisada pela decepção.
— O único  milagre em que acredito é o da multiplicação das trinta moedas da hipocrisia, que venho realizado desde os treze anos usando o buraco que tenho no meio das pernas. E o outro lá detrás também, claro. Submissas não nascem em árvores, embora mulheres como você acreditem que basta pendurarem-se nuas num galho gemendo tesões fáceis de filminho pornô. Elas devem entregar-se incondicionalmente de alma livre, para serem cultivadas desde a semente por um verdadeiro dominador. É perigoso passear cantando nessa floresta, quando não se conhece a canção correta.
Ódio intenso por constatar sua verdade mais secreta tão facilmente adivinhada & exposta por uma completa estranha, Rouge colocou o tanto que pôde do vermelho dos cabelos na tinta do rosto e respondeu com fúria recalcada que, se quisesse ouvir conselhos de vovózinha o teria feito na idade correta. Resoluta estendeu a mão & recebeu de Moby Dyke o rolo de filme.
A loira gorda colocou toda a compaixão possível na voz, enquanto se retirava gargalhando.
— Por que a famosa Rouge não experimenta usar o sadomasoquismo como tema em suas fotografias? Pode ser que ajude.!
Automatismo bêbado na rapidez para se vestir, Rouge decide rejeitar a comodidade e a segurança e elege caminhar lado a lado com sua decepção pelas calçadas noturnas de pouca gente até encontrar um táxi.
Na esquina, três cachorros excitados rosnando dentes ameaçadores cercam uma cadela assustada. Crianças da noite brincando de humanos, pensa. Só então dá-se conta de que ainda está mascarada. Joga o disfarce na calçada. Atraídos pelo brilho dourado, os cães se aproximam, cheiram, desprezam sua máscara & voltam a assediar a cadela.
A explosão de lágrimas é abundante.
O táxi é magia que acontece quando, mesmo sem crer, mais precisamos.
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Indefinível estranha criatura, nua, cabelos desaparecidos na vermelhidão da lâmpada da câmara escura. Não podia culpar totalmente a loira: afinal, faltara-lhe o que fotografar. Escolheu o shot mais aceitável: nada do enlouquecido desenho de hematomas e vergões que idealizara. Apenas quatro ridículas, tímidas caricaturais marcas simétricas, mas, ainda assim... marcas.
Amanhecendo.
Do rádio no quarto da empregada ouve a voz de Dalva de Oliveira: "Que será da minha vida sem o teu amor/Da minha boca sem os beijos teus/Da minha alma sem o teu calor?/Que será da luz difusa do abajur lilás/Se nunca mais vier a iluminar/Outras noites iguais?/Procurar uma nova ilusão não sei..."
Não, não vai querer o café da manhã agora. Algo ainda a fazer & depois um banho.
Transfere a foto para o computador, anexa-a ao correio eletrônico de Lord Lupus & a remete preferindo calar legenda, lembrando o cinismo ácido do dominador: "Uma mulher fala mais do que mil palavras, mesmo quando consegue pronunciar apenas uma".
A água na temperatura exata não lava a inquietação nem aquece a insegurança.
Ainda enxugando-se ouviu o alarme de mensagem recebida.
Os dedos gelados da mão do medo apertaram-lhe o pescoço & Rouge não conseguiu respirar ainda por um tempo, depois de ler a mensagem: "Teu corpo desperta apetites, mas lobos não comem carne mastigada; isso é cardápio para vira latas famintos de sarjeta".
Cambaleante, caminhou em direção ao espelho, mirou-se nua e no reflexo enxergou um vulto sombrio ao mesmo tempo estranho e familiar ao lado de suas carnes despidas brilhando na pouca iluminação do quarto.
Levou a mão até a boceta, acariciou-se por um minuto inútil, a umidade de fêmea não a visitou.
Rouge percebeu que nunca mais, como havia feito até ali, conseguiria fingir-se feliz à vida com a mesma naturalidade com que se contentava com insuficientes orgasmos de ocasião & que fingia tão intensos a todos os amantes a quem, com tanta facilidade, abria as pernas.
Nunca encararia o seu demônio interior, embora ele continuasse queimando como um incêndio de frustração dentro dela.
Passou os dedos em desconforto pela cabeça vermelha.
O tempo vencedor como sempre.
Talvez a hora de deixar os cabelos mostrarem a sua cor real.