terça-feira, 15 de agosto de 2017

Meretricem Delirium


A luz fraca sobre a cabeceira é suficiente para imperar luminosidade sem estardalhaço sobre a total linda nudez exposta de suas carnes de fêmea.
Conserva somente o véu, não por deboche, apenas porque não suporta que vejam, ou ver no espelho, seu rosto emoldurado por cabelos picotados em perverso descuido vingativo. De que valia teria nesse momento manter monacais trajes, se Ele pode enxergar, através do grosso linho que lacera a pele & do negro tecido do hábito, a luz vermelha que traz acesa no vão das coxas?
Despidas como mulheres sem vergonha de pecados, as paredes brancas da cela amarelecidas pelo uso que o tempo fez delas. Na da direita, o retângulo de tímida claridade marca a ausência do quadro do sangrante coração de virgem chorosa coroado por espinhos, que preferiu esconder debaixo do desconfortável catre.
Com perversidade de sorriso separa o pregueado de carnes da vagina & a cada vez que principia a atormentar o botão da cona com o dedo maior da mão direita, na noite silenciosa uma caixinha de música começa a tocar apenas para ela uma marcha nupcial ou fúnebre, uma cantiga de ninar ou uma imunda canção de bordel.
Todo o tempo durante o dia, quase basta apenas desejar, alcança orgasmos; porém só a essa hora, após a última prece com as outras, empenha-se em atingir a totalidade de um gozo sem barreiras, uma gozada que anseia, um dia, além de ensopar lençóis, alague a cela & faça boiar em inundação de oceanos de meleca de animal feminino toda a pouca mobília velha sem brilho & sem requintes.
Em frente, o crucifixo de madeira escura assiste compassivo como um imobilizado marido de muitas tantas em milênios. “Meu cheiro guiará a ascensão aos céus de teu sacralizado pênis de carne mole em monumental caralho arrombador”, recita, pensando obscena.
Fecha os olhos para despertar de adormecida com a pele encharcada de tempestade. Um relâmpago a atinge na testa como estigma, desce pelos ombros, cocegueia os limites redondosos dos seios, dá pontapés furiosos querendo invadir o umbigo até finalmente explodir faiscante pleno de eletricidade na ponta do dedo.
Entesante dor que dói na mais profunda porta das entranhas de seu ventre, que, sabe, está lacrada por sobrenatural cadeado com que o mistério trancou seu útero no colchão dos sete anos, pois a membrana de seu hímen estava reservada como eleita oferenda para místico defloramento.
Amedrontada enxerga-se em sua própria sombra, que como um enorme espelho a reflete em longo traje de fartos panos negros, como um demônio escarrando purezas sobre sua devassidão nua.
A dor na alma esfaqueia seu ventre dando-lhe ganas de defecar montanhas, cordilheiras inteiras de vergonha & frustração.
A revolta dos punhos cerrados ignora o perigo da possibilidade de sangue, espanca a parede desejando que fosse vidro, até que a visão negra esteja reduzida a cacos sem significado espalhados pelo chão.
No deleite, lambe os filetes de sangue dos pulsos como se fosse esperma vermelho.
A chuva dos olhos lava a hemorragia, seu rosto & cicatriza as feridas.
Ajoelha-se & começa a juntar os pedaços de sua vida, como se montasse um bilhete rasgado, para conhecer do quebra cabeças a ser lido em lembranças.
A mãe, boçal bruaca, fanatizada beata supersticiosa de em tudo & todos ver demonices, achou por penitência a dá-la à luz em bastardice & para as imundícies inconfessáveis de sua ignorância, chamá-la Messalina.
Dia de repente, sem ser convocada a bruxa velha do lugar chegou antes do padre requisitado. O diabo não tem cheiro, dizem, mas as feiticeiras sentem.
Com as gengivas desdentadas, mordeu a maçã podre do livre arbítrio original, gargalhou dos vermes agitados que só ela enxergava no ventre infantil & recitou seu oráculo: “Não importa que chore sangue ou transpire lágrimas, sofrimento nenhum será capaz de expulsar teu sorriso, pois é bendita tua possessão & te abençoo com o anátema da depravada da Babilônia: Não tema. Quando, em mais seis anos, teu primeiro sangramento sem corte escorrer como pranto do vão de tuas coxas, Ele virá para cuidar das maravilhas de tuas carnes, escarrando prazeres em tua alma até o dia de tua morte, como verdugo, carrasco, violador. E você o acolherá, o mandante máximo do marquesado da Verdadeira Luz, como deus, pai & único senhor”.
O tardo cura foi mais direto ao nominá-la rameira endemoniada & vociferou seu divinatório num latim que não entendia, mas que compreendeu claramente profetizando-a anatematizada: “Estará sempre na escuridão, justamente porque amaldiçoada por elegida meretriz para indecente pasto da degenerada luz. Atirarão cinzas em tua grinalda nupcial & arroz podre em teu caixão. Tua terra última, maldito rio de vérmina, será mesa para banquete de imundícies de mendigos, coxos, cegos, leprosos & endemoniados. Teu filho, será um feto gangrenado que de cócoras, como um animal, desovarás numa poça de fezes & urina. Outras fêmeas, desde o início dos tempos, trazem entre as pernas a carne da vida, entre as tuas será erguida a mansão dos mortos. Pois, amaldiçoada eleita, tua vagina é ruína envenenada.”
Decidido: por toda sua vida deveria, intacta de macho, caminhar incendiada em chamas nos incendiados chãos dos infernos que lhe diziam.
A mãe resolveu purgar a purificação de sua maldição, entregando-a a religiosas reclusas.
Cerra os olhos sem cobrir o despudor, apesar de as unhas do frio da madrugada agora imporem arranhados arrepios à pele de suas coxas, quadris & seios.
Apaga a luz testemunhal, tranca as pernas com força.
Sim, Ele está lá.
Não, o crucifixo não brilha na escuridão.
Irmã Tereza sempre adormecia serena após experienciar tais êxtases.
Não nessa noite que no instante de tempo após as doze, brilharia o dia de seu ano trinta & três.
O silêncio mata o eco da décima segunda badalada.

Trancada não sabe onde, apenas uma masmorra escura iluminada por alguma tênue fonte de lua que não tem origem possível de ser identificada.
Olha maravilhada para as cores do sonho, mas é atraída por cada sombra atrás delas & vê em cada uma porta atrás de cada uma. Sente-se aterrorizada, mas quer atravessar cada uma delas, apesar do chamativo cheiro hipnótico do perigo do desconhecido.
Passos pesados pisando o chão de pedra.
Quer, mas nem tenta se esconder, pois não há onde.
Encolhe-se num canto, na esperança impossível de não ser enxergada.
O torso masculino despido é forte, não há como definir seu rosto, mas ela sabe que ele lhe é familiar desde o início de seus tempos de sempre de mulher desejosa.
Véu arrancado, agarrada pelos cabelos, a face forçada contra a aspereza da parede, os seios esmagados, mamilos lixados na pedra, a mão forte apertando sua cona, quase moída até além do limite do suportável. Não grita, pois não será ouvida nem mesmo por seu medo & pressente que as consequências podem ser ainda mais dolorosas. Soca as mãos contra a parede até sentir o sangue revelar seu sofrimento em vermelho & apenas chora, chora como se quisesse transformar seu corpo em areia seca.
A voz ordena:- “Quero que grite, rameira ordinária; grite forte para que ninguém que queira possa ouvi-la & para que eu, que ordeno, possa me deliciar com teu padecimento de prostituta santificada.
A bofetada a atira ao chão & os cabelos puxados com ainda maior violência levam-na a rastejar degradada, conduzida com agressividade & violência como cadela a ser abatida por maldade gratuita.
Sente-se envergonhada & enojada, porém, estranhamente deliciada pela agressão, numa sensação de êxtase além de qualquer sessão de preces ajoelhada sobre pedregulhos.
A voz responde gargalhando em deboche:- “Sim, terá seu desejo de depravada atendido”. Aos solavancos, seu coração pergunta como pode a voz ouvir seu implorado desejo de ser abusada & violada sem ter ela emitido qualquer palavra?
Seu rosto é uma máscara líquida de lágrimas, mucosidades & salivação. A doçura do pranto em desespero temperada com o sal da pele festejada em sofrimento na sevícia.
As tiras da chibata são passadas em seu rosto & o aroma do couro lhe transmite uma sensação agradável de paz. A luxúria nua de suas carnes não pode ser dissimulada.
A mão áspera em suas carnes nuas a manipula com autoridade, mostrando que qualquer reação ou hesitação serão inúteis & inadmissíveis. Ele se inclina & toca o buraco de seu ânus com a ponta da língua tarada, explorando a entrada de suas profundas intestinais, inalando em embriaguez a pestilência dos vapores fétidos das profundezas de seu mais imundo inferno, dilatando as narinas ofegantes ávidas pela podridão de sexo animalesco.
Seus sucos de fêmea alagam o piso de pedra.
O couro frio passeia serpenteante por suas nádegas & coxas.
Uma dor incendiária afogou seus gritos, quando a primeira chicotada queimou as carnes fartas de sua bunda.
Um suor frio a cobriu, fazendo-a temer afogar-se.
O segundo golpe rasgou fervente o centro de suas costas que logo são uma massa de marcas & vergões sobrepostos num desenho insano tingido na sanguinolência da flagelação impiedosa. Seus seios um amontoado de carnes maceradas em hematomas.
Mais três vergastadas destravaram o controle de suas entranhas & a urina verteu generosa da pulsante boca de carne de sua boceta inchada de prazer.
Experimentava um padecimento messiânico inimaginável, mas ansiava por renovadas etapas de tortura que o suplício sem tempo de terminar prometia trazer a cada não anunciado golpe do couro cru.
Um caralho diabólico exibiu-se a centímetros de sua boca. Hesitou por um instante, mas a sonora bofetada comandou a obediência à voz que cruamente ordenou:- “Engula!”. O sabor era repulsivo, porém, uma fome inexplicável fazia com que se aplicasse em degustar cada prega de pele daquele colosso de carne que a deixava com fôlego suficiente apenas para não desmaiar.
O flagelo continuava, a chibata descendo impiedosa sobre as carnes de suas costas, bunda & coxas. Adivinhava o sangue escorrendo em vermelhidão generosa sobre a brancura de sua pele.
O cacete monstruoso agora deslizava com desenvoltura por sua boca salivada & entrava com determinação confiante até além dos portais de sua garganta. Então uma pegajosa erupção de ronha impossível de engolir em sua totalidade explodiu, inundou sua boca & escorreu obscena por seus lábios, emporcalhando seu queixo & alagando o vão de suas tetas.
Uma nova bofetada a atirou no frio do chão, prostrada de costas.
E a voz sentenciou: “Chegada a hora de receber a suprema honra de ter por mim tomada a riqueza que para mim preservou por toda sua vida, desde teu primeiro mênstruo”.
As mãos ásperas separaram suas coxas ao máximo.
Sua respiração interrompeu-se em pavor de morte, quando da escuridão em sua frente emergiu inexplicavelmente um gigantesco pênis em chamas, aproximando-se lentamente de seu intocado buraco de feminilidade. Estranhamente, o medo a abandona & um desejo de serenidade infernal guia suas palavras:- “A puta por ti & para ti preservada implora pela suprema degradação de que sabe não ser digna, mas pela qual anseia em desespero”.
Seu cheiro de fêmea infestava o ambiente & agora assumia um aroma embriagante com o fedor de enxofre que se acentuava a cada centímetro de aproximação do caralho incandescente. Sentimento de calma feliz & formigamento nas carnes, na medida em que o calor aumentava. Um ataque de sensações deliciosas quando percebeu que seus pentelhos estavam queimando. O buraco de seu cu irradiando um calor intenso por todo o interior de seu ventre.
Mãos invisíveis agarraram seus quadris & o caralho incendiado penetrou profundamente de uma só estocada. A delícia era tanta que mantinha a dor anestesiada em tesão enlouquecido. Sentia-se rasgada, sabia que sangrava, “Sem derramamento de sangue não há remissão”, dizia o grande livro. Porém, só conseguia gritar num carnaval de felicidade, libertada de todos os pudores: “Ele está me fodendo, sua mais imunda carne de fome de perversões agradece, pois sabe que Ele a está FODENDO. É a mais prazerosa devassidão que uma cadela pode experimentar em vida”.
“Está absolutamente certa, puta. É depravação que só pode ser experienciada uma vez em vida”.
Ouviu a gargalhada da voz ir enfraquecendo em volume, até desaparecer no silêncio absoluto.

Manhã do dia de seu trigésimo terceiro aniversário, encontrada em sua cela, totalmente nua, portando apenas o véu, mãos cruzadas sobre os seios como em prece, um quase transparente filete brilhante de baba pegajosa como muco vaginal escorrendo vomitório do beatífico sorriso cadavérico que ostentava na tranquilidade da morte. Sufocada, os pulmões repletos por um líquido viscoso assemelhado a esperma. A vagina sangrando como se houvesse sido submetida a um defloramento místico por uma coroa de espinhos. No entanto, o exame ordenado pelo bispo, em obediência às determinações da Santa Sé atestou que era virgem intocada.
As freiras definiram três dias de velório, porém, como não houve ressurreição, Irmã Tereza, nome de batismo Messalina sem pai, foi sepultada no cemitério do convento, que, aliás, é vizinho de um prostíbulo. Como tudo em segredo foi, o sepulcro não se transformou em local de adoração & romarias, porém ali, na premência em aliviar as tripas da barriga, sempre vão mendigos, coxos, cegos, leprosos & endemoniados.
A minúscula forma viva que chorava no chão numa poça de fezes & urina foi queimada em fogueira.
(Assim, aprisionado pelo inviolável segredo do sacramento da Reconciliação, aqui relato, palavra por palavra, com penitente absoluta fidelidade aos detalhes, tudo quanto, como narrado me foi em orgulhosa abjeta confissão bandalha, entrecortada por obscenas gargalhadas & barulhos de intestinos debochados, pelo próprio senhor Marquês de Fera Lux)
(E que algum alguém de luz alguma outra - se existir, o que ora passo a duvidar ante ouvidos tornados depositários de tal abominação - me perdoe a corda de Judas que em desesperança suicida vou me dar)