![]() |
Foto: Chris Maher |
Vocês precisam
acreditar em mim.
Prometo contar só uma
parte da história. O resto deixa para a vida. Ela que assuma a culpa pelo que
falta contar.
Paz e
amor. Sexo, drogas e rock and roll, sempre que possível em doses
paquidérmicas: separadamente ou tudo junto dependendo da disponibilidade,
coragem ou sorte de cada um. Trilha orquestrada a partir das filosofias, modas
e modismos da swinging London e de
Haight-Ashbury
na
“fumada” Frisco.
Quarenta
anos atrás, no começo dos anos sessenta, o mundo parecia estar sendo
transfigurado por um maravilhoso demente cósmico que tudo podia e a todos
comandava com alegria e ingênua irresponsabilidade infanto-juvenil.
Aquela
anárquica agitação, porém, demorou a ser aceita em alguns lugares. A vida nas
cidades do interior era muito diferente. E havia a ditadura militar.
Já as
mulheres sempre foram iguais às de sempre.
Ainda mais
na idade de Tatiana. Aquela idade em que os jovens acham que tudo do mundo dos
velhos é ruim e quando tentam entender têm certeza de que é pior.
Até
ficarem velhos.
Sabia que
estavam preparando uma festa-surpresa para ela. Fazendo dezoito anos naquele
dia, cantarolando de dentro da cabeça para si mesma o refrão da canção
recém-lançada pelos Stones (“I know, it’s only rock’n’roll, but I
like it”), Tatiana caminha apressada pelo fim de tarde sem se importar com
os olhares cobiçosos às suas coxas à mostra.
A saia
azul-marinho do uniforme enrolada na cintura (“Ninguém nesse fim de mundo sabe
o que é mini saia, uns caipiras!”) quando se movimenta deixa aparecer de
relance as bochechas rosadas de sua bunda perfeita embaladas no comportado
algodão das calcinhas apertadas, impotentes para conter tanta delícia de carnes
jovens.
Já tinham
fofocado para o padrinho (“Parece coisa dos Mexericos da Candinha, meu
Deus!”), mas ela desmentira com cara de inocência. Ele sempre acreditava nela.
Qual o
problema em mostrar as pernas?
Conhecido
como o Comendador, o padrinho, o mais rico comerciante da cidade, gostava muito
delas. Desde muito pequena, lembra-se, ele se divertia em colocá-la sentada em
seu colo e ficar acariciando suas coxas por longos períodos, com um sorriso de
malícia no bigode grisalho e com uma dureza no meio das pernas que espetava as
carnes de seu traseiro. Quando ficou um pouco mais velha soube muito bem o que
significava aquele volume duro nas calças dele. Aliás, agora que estava ficando
crescido, o irmão de criação também mostrava sorrisos sacanas e o mesmo
endurecimento no meio das pernas, quando a espiava tomando sol na piscina com
seu biquíni de bolinhas amarelinhas tão pequenininho. Não haviam faltado
tentativas tímidas e desajeitadas para passar a mão em sua bunda.
Já o
sorriso da madrinha, presidente da seção regional da Liga da Decência, era
diferente, perverso, anunciando o terror das surras com a apavorante vara de
marmelo sempre ameaçadora pendurada atrás da porta da cozinha. Mas há muito
Tatiana não tinha mais medo daquele castigo. Só gritava e chorava para que a
madrinha prolongasse a tortura. Não sabia porque, mas após uma certa idade
havia começado a gostar daquela dor. Às vezes, de propósito, fazia coisas para
irritá-la e ganhar uma surra com a vara de marmelo.
Seu corpo
vivia acalorado (menos desde que passara a se masturbar com certa regularidade),
ansiava pelas coisas de sexo que lia em livros e revistas proibidos, mas se
contentava com as brincadeiras de beijos, línguas e dedos com as meninas no
banheiro do colégio de freiras. A vontade era quase insuportável, mas perder a
virgindade antes do casamento, nem pensar. O padrinho a mataria.
— Tatiana:
já para dentro do carro!
O coração
começou a dar chutes em seu peito quando ouviu o grito da madrinha. Os joelhos
se chocavam tremendo de medo quando se sentou no banco do automóvel. O gelado
do estofamento em contato com a carne de seu traseiro provocou um arrepio que
percorreu sua espinha e foi instalar-se endurecido nos bicos dos pequenos
peitos firmes de adolescente que se projetavam atrevidos contra o tecido fino
da finíssima blusa branca.
— Andando
pela cidade com as pernas à mostra, exibindo-se como uma reles prostituta. E
ainda por cima sem sutiã. Que tempos são esses, que tempo são esses, seu
Damião?
Pelo
retrovisor, o olhar do motorista negro era de desaprovação em concordância com
a revolta da patroa.
— Bem que
avisaram a seu padrinho. Que desgosto, meu Deus. A gente pega uma menina sem
pai nem mãe para criar, dá do bom e do melhor e ela nos paga com vergonha e
ingratidão!
—
Madrinha, eu...
— Calada!
Você vai ver o que seu padrinho fará com você quando chegarmos em casa.
Assustada
Tatiana percebeu que o olhar do negro Damião sorria maldoso pelo espelho. E
brilhava ainda mais pervertido quando, obedecendo às ordens da madrinha,
levou-a com brutalidade pelo braço e largou-a em pé no meio do salão de festas
respirando ofegante com os olhos no chão. Não sabia a razão do medo. Se fosse a
surra com vara de marmelo até iria gostar, mas percebeu que o que viria agora
seria algo assustadoramente desconhecido.
Por trás,
uma venda foi colocada sobre seus olhos. Sentiu suas roupas sendo arrancadas
com violência. Suas mãos amarradas para trás. Damião estaria fazendo isso?
Estava
nua.
Ruído de
passos. Pessoas respirando. Alguns murmúrios.
— Então a vadia gosta de exibir-se
pela cidade trazendo vergonha à família?
A raivosa voz solene e severa do
padrinho era inconfundível.
O grito veio imediatamente após a
primeira fisgada de dor. Era a velha conhecida vara de marmelo. O estilo era
inconfundível, a madrinha estava espancando-a.
— Pare de
gritar como uma porca, sua putinha. E você, minha caríssima esposa, não se
esqueça do primeiro mandamento: puna, mas não marque!
— Deixe,
meu honrado amigo. É necessário que as cicatrizes marquem a alma.
Padre
Pio, o seu confessor? O que ele estava
fazendo ali?
—
A sabedoria dos tempos inquisitoriais ensina que, do ponto de vista da punição,
a alma da vadia homizia-se nos glúteos e é justamente ali o adequado horto para
a aplicação do castigo.
Aquele
sotaque francês. Madre Pureté, a diretora do colégio de freiras?
Que
loucura insana era tudo isso?
—
Dane-se toda a prosopopeia dessa resmungação de papa-hóstias. A fome de
subserviência dos inferiores desprezíveis deve ser alimentada pelos dominadores
a porra e porrada para garantir a submissão e a obediência.
O
tom discursivo não deixava dúvidas: era o coronel Severo, prefeito da cidade,
líder do Partido Conservador e poderosíssimo cacique político.
A
flagelação continuava com uma regularidade quase mecânica. A madrinha executava
a sinfonia de açoites com o virtuosismo de um caipira que sabe tocar guitarra
como se tocasse um sino. Tatiana, porém, identificava um ruído intermitente
entre as pancadas e as vozes. Uma máquina fotográfica? Quem estaria tirando
fotos? O irmão postiço, lembrava agora, havia ganho uma máquina fotográfica
super moderna de presente de aniversário.
As
lágrimas ensopavam o tecido da venda. Soluçava tristemente. A humilhação
superava a delícia da dor.
— Mas que
diabo de maluquice é essa, porra?!
Seu
grito de revolta ecoou pelo salão como um sino que badalasse sofrimento.
—
A degradação da moral e dos bons costumes definitivamente está corroendo a alma
desses jovens como um câncer que escarra pus e podridão sobre os tradicionais
valores da família de nossa pátria.
Essa
era fácil: a vibrante e eloquente retórica da oratória moralista de dona
Virtuosa, a empedernida virgem, velhota carola, vice-presidente da seção
regional da Liga da Decência, que enxergava imoralidade até na seminudez do
Cristo na cruz. Escutou ainda algumas expressões de concordância. Toda a
diretoria da Liga estaria ali assistindo à sua humilhação?
Aplausos.
Tatiana pensava estar louca, mas ouviu aplausos.
—
Padrinho, por favor, eu só enrolei a saia do colégio na cintura para ficar um
pouco mais curta e parecer uma mini saia.
—
Ora, queria ficar nua? Agora está nua.
—
Usar mini saia não é estar nua. É só a moda. Todo mundo está usando. Não tem
nada de mais. Padrinho, em nome da Virgem Maria...
—
É o demônio em corpo de fêmea! E ainda comete a afronta da blasfêmia! — a
entonação do padre Pio traduzia a irada indignação — Se a pecadora não
reconhece a indecência de seu despudor, que encare sua própria vergonha
pecaminosa.
A
venda foi arrancada com violência.
Sim,
estavam todos ali, encarando-a nua. E todos nus, as mãos nos sexos, cada qual à
sua maneira, como se executassem uma masturbação em coro. A diversidade da
dissonância para alcançar a harmonia do gozo. Menos o padre Pio e madre Pureté:
ambos conservavam suas vestes eclesiais. Ele com a batina presa à altura da
cintura, exibindo um pênis enorme em ereção inacreditável; ela com o hábito
aberto, escancarando a mostra de uma boceta escondida atrás de uma espessa
massa de pelos púbicos negros e um par de peitões leitosamente brancos caídos,
auréolas marrons como olhos melancólicos.
Por
que haviam trazido a mesa de banquete para lá? As seis senhoras, membros da
diretoria da Liga da Decência, agarraram-na com brutalidade e a atiraram sobre
a mesa. Depois, seis cuspidas nojentas em sua face. Sua bunda estava em carne
viva pela flagelação.
A
pesada bofetada do padrinho fez sua boca escancarar-se dolorida. Com agilidade,
Damião introduziu o poste negro que tinha no meio das pernas até machucar sua
garganta. Tatiana ofegava, quase impossibilitada de respirar.
Dor
aguda entre suas pernas.
O
irmão, com cuidadoso sadismo, sem parar de tirar fotos, ocupava-se em arrancar,
um a um, com estudada satisfação, os recém-nascidos pentelhos adolescentes
ainda pouco crespos de sua boceta virgem.
—
E aí, maninha, a carne preta da rola do Damião é mais gostosa do que os paus
brancos que você anda chupando atrás dos muros da cidade?
As
gargalhadas debochadas eram um tormento. Todos sabiam que era virgem.
Com
um sorriso insano, padre Pio puxava com insanidade o cabeludíssimo chumaço de
pentelhos entre as pernas de madre Pureté. A freira velha gemia em êxtase.
—
A irmã bem que podia raspar essa pentelhada toda para nos presentear com a
visão dessa cona velha que há duas gerações povoa as fantasias das punhetas de
toda a molecada dessa cidade — o coronel Severo gargalhava engasgado, enquanto
masturbava o pênis semiflácido.
—
Sinto, coronel, mas seria absolutamente inapropriado a uma eterna noiva de
Jesus andar por aí toda raspada. Isso é privilégio das cadelas vadias não
tementes a Deus — ela explicou didática.
—
Bem falado irmã — o padre concordou aplicando um puxão mais abrutalhado que
arrancou um urro de dor e prazer da freira.
O
ruído do flash da máquina continuava espocando alucinante nos ouvidos de
Tatiana.
Damião
pulou ligeiro de sua boca e depositou um generoso esguicho de esperma pegajoso
entre o vão de seus seios juvenis.
Enojada.
—
Por favor, padrinho, o que vão fazer comigo?
—
O primeiro batismo que te dei foi com água. Mas a tua iniciação como cadela vai
ser com sangue: o sangue de teu corpo pecador.
—
Mas eu sou virgem!
—
Mesmo virgens todos carregamos desde o primeiro choro a imundície do pecado
original — sentenciou dona Virtuosa em tom de beatitude, secundada por um
depravado coro de “améns”.
Seu
grito de sofrimento foi saudado por risadas dementes, histéricas. Não sabia o
que era, mas a madrinha introduzia com violência algo monstruosamente grosso em
seu ânus.
—
Isso, comadre. Como diz a sabedoria do povo, as mulheres são como os fuzis,
devem ser carregadas por trás.
A
indecência do coronel Severo era nauseante.
Com
voz monocórdica padre Pio sentenciou:
—
Como padrinho, a honra deve ser sua, Comendador.
Damião
a imobilizava fortemente pelos pulsos. O irmão continuava com as fotos. O
padrinho separou suas pernas até fazê-la gemer. Seu sexo, agora sem pelos, estava
inteiramente exposto.
Em
passos litúrgicos, madre Pureté aproximou-se balançando os peitões caídos: na
mão direita um reluzente cálice de finíssimo cristal.
—
Muito parecida com uma sobrinha minha a quem também iniciei há alguns anos.
O
sorriso enlouquecido do padre era assustador. Tatiana começou a sentir o enorme
cacete entrar em seu corpo e rasgar seu ventre. Uma estocada mais decidida, um
pequeno uivo de dor e estava determinado o rompimento de sua virgindade. Madre
Pureté, com adoração religiosa, colocou-se abaixo das pernas do padre e
cuidadosamente colheu gota a gota o sangue que vertia da boceta de Tatiana.
O
vai-e-vem do sacerdote durou ainda alguns minutos. Entre lágrimas, Tatiana pôde
ver sua expressão transfigurar-se. Com um grito animalesco padre Pio
repentinamente saiu de dentro dela. Com espantosa agilidade, Madre Pureté
agarrou o pulsante caralho e amparou a transbordante ejaculação com o cálice.
Violentamente
o padrinho apertou o rosto de Tatiana, obrigando-a a manter a boca aberta.
Num
cerimonial litúrgico o padre fez alguns gestos cabalísticos sobre o cálice,
enquanto recitava.
—
Esse é meu corpo, esse é seu sangue. Ambos se misturam. É o novíssimo
testamento que te lego para que o repitas em memória da degradação, da
submissão e do prazer com todo homem ou mulher que usar de teu corpo daqui para
a frente, per omnia secula seculorum.
O
viscoso líquido rosado foi lentamente derramado na boca de Tatiana. Ela engolia
num misto de asco e fascinação.
As
fotos, as malditas fotos continuavam.
Depois
os aplausos. Novamente os aplausos.
O
Comendador.
—
Coronel, é minha honra que o senhor deposite sua privilegiada semente nessa
agora iniciada cadela.
—
Mas o prazer será todo meu, Comendador. Madre parece que a menina está um tanto
afogueada com a função toda.
A
freira trepou na mesa, acocorou-se sobre o rosto de Tatiana e passou a mijar
abundantemente em seu rosto, enquanto o coronel esforçava-se para penetrá-la
com o nada cooperativo pênis envelhecido.
Pareceu
uma eternidade, mas finalmente ele gozou.
O
padrinho tornou a gritar.
—
Alegria, isso minha gente, muita alegria. A cadela Tatiana está iniciada e
agora está à disposição de vocês, homens e mulheres, parentes e convidados!
Sirvam-se à vontade
Quando
ouviu aquilo, Tatiana soube que a noite ia ser longa, muito longa, que sua
iniciação estava longe de terminar. Mas ela também já não se importava. Não
sabia explicar a razão, mas estava quase que hipnotizada de prazer. Uma espécie
de calma, torpor, tomava conta dela. Não porque tivesse noção do que fosse
sadomasoquismo. Mais porque agora preferia lembrar apenas do refrão da canção
dos Stones(“I know, it’s only rock’n’roll, but I like it”).
Olhando as
fotos, Tatiana não conseguia deixar de sorrir.
Tanto
tempo, mas lembrava tão bem.
Acariciou
com emoção a medalha de ouro. Mais uma vez releu a inscrição: “Lembrança da
iniciação da cadela Tatiana – 1974”. A joia viera como presente pelas mãos
da madrinha ao final daquela noite quase interminável junto com inúmeros outros
presentes: dos padrinhos e de todos os participantes daquela orgia insana.
Impossível lembrar quantas vezes havia sido penetrada, em todos os orifícios de
seu corpo. Impossível deixar de lembrar todos os sabores de todos os corpos e
fluídos que teve de experimentar.
Permanecera
na cidadezinha ainda por quase um ano. Passara a ser respeitadíssima pela
família e pela sociedade. Participou de algumas outras sessões de sexo e
aprendeu muito com todos.
O álbum
que agora tem em mãos é uma cópia. O original sabe-se lá onde está. O coronel
Severo comprara as fotos originais por uma considerável quantia que, muito bem
aplicada pelo padrinho, foi mais do que suficiente para financiar seus estudos
numa das melhores faculdades da capital. Era grata ao coronel por ter lhe
presenteado com essas cópias.
Sua
gratidão seria eterna a todos por a terem iniciado nas delícias da submissão.
Anos
depois, em honra à servidão, largou dos quase trinta anos de casamento e do
casal de filhos.
Aos quase
cinquenta, ainda era Tatiana, mas junto a Deus Lagarto, seu mestre e dono,
agora era também Diamond Lucy. Na sofisticação das sessões que vivenciavam, sós
ou com outras pessoas, Tatiana sente-se flutuando num céu repleto de diamantes,
como se estivesse vivendo para sempre num campo de morangos onde nada é real,
mas onde tudo traz satisfação.
Hoje, mais uma vez revendo as fotos, só tem uma preocupação:
a filha completa dezoito anos em um mês.
Murmura
para si uma frase de um escritor cujo nome esqueceu: “Com os
suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra”.
Sorri
cínica e terna ao mesmo tempo.
Quer
organizar uma festa-surpresa para a filha.
Porque,
afinal, hoje ainda é dia de rock.
adorei! simplesmente adorei!
ResponderExcluir