sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Corra, Madame, Corra!

Foto: Elena & Vitaly Vasilieva
 

"Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi”
(“Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”)
(Giuseppe Tomasi de Lampdusa, Il Gattopardo)

Tráfego pesado como uma culpa, na rodovia que leva ao aeroporto.
Olhos atentos à nuca do motorista, ordena que ele aumente a intensidade do ar condicionado, separa as pernas e sente a brisa fria refrescar-lhe um pouco do calor que transpira pegajoso no tecido fino encharcado da calcinha. Tenta respirar com naturalidade, puxa um tanto a saia expondo um pedaço de coxa carnuda. Os olhos do motorista, casualmente encaram o retrovisor, que ele ajeita com estudado profissionalismo. Os olhos do marido permanecem enfiados na pasta de documentos. O cheiro do couro mistura-se por um instante ao seu aroma de fêmea. As mulheres, geralmente, excitam-se com o odor de couro, pensa, porém, para ela o aroma do estofamento do carro luxuoso causa uma sensação de repulsa: cheira a casamento.
Pouco mais do que uma adolescente quando casou. O sexo iria iluminar todas as suas noites de mulher ansiosa em fazer-se fêmea plena em todos os dias de vida, idealizou. O brilho do casamento, no entanto, apagou-se na mesma proporção de rapidez com que a luminosidade da conta bancária do casal se intensificava. Além de todo o dinheiro sobrante para necessidades e caprichos supérfluos, casa grande quase mansão, empregados, automóveis importados na garagem, filhos saudáveis e bonitos, agora já desaninhados cuidando das própria vidas. Porém, a falta de apetite do marido para as coisas da carne consolidou-se em poucos meses, a ponto de, simplesmente frustrante, transformar-se para uma mulher de sexualidade intensa como ela numa insuportável tortura, que nem todos os vibradores e consolos que utilizava conseguiam satisfazer. Nada lhe restou, além de tomar o caminho natural e perfeitamente aceitável para uma mulher respeitável de sua  posição social: amantes diferentes em tardes de encontros variados em motéis todos iguais em sua diversidade de luxo de bom gosto vulgar. Encarava tudo com a praticidade de um cinismo bem remunerado pela santidade do sacramento do abençoado matrimônio. Achava que o pesadelo de uma vida vale pelos poucos segundos de sonho de cada gozada que se dá. Em pouco, porém, isso transformou-se apenas em outra rotina de recalque, mas que pelo menos lhe proporcionava orgasmos, coisa que com o marido já não experimentava há tempos. Aceitava a banalidade de sua existência, lembrando sempre da frase que ouvira repetida no início da adolescência da boca da bicha velha que foi seu professor de postura e etiqueta: Se uma coisa não tem valor, deve apenas parecer bonita e enquanto há dinheiro, isso não é um problema.
Fantasias, desejos interditos quase que até a ela mesma, permaneciam, no entanto, insatisfeitos. Anseios secretos por prazer em humilhação e dor, que julgava pesadelos de uma sexualidade adolescente imaginativa, a cada dia agigantavam-se em sonhos eróticos de uma força pornográfica tal que a faziam masturbar-se dormindo e acordar em melados gritos surdos que o marido, roncando, jamais escutou.
Na porta da sala de embarque, permitiu que o marido lhe desse o protocolar beijo na face e apenas esperou pelo aviso de confirmação de decolagem do voo para os Estados Unidos. Virou-se e caminhou hesitante em direção às duas semanas que lhe dariam uma total liberdade que ela não sabia como usufruir, além das rotineiras trepadas com os amantes em motéis, depois de almoços cheios de frases babacas de erotismo de almanaque em restaurantes bacanas.
O acaso está sempre à espreita para despertar os fantasmas da inconstância que assombram a alma de uma mulher insatisfeita.
Pensava se a casa vazia seria mais vazia do que ela se sentia, quando foi importunada pela comunicação do motorista de que o carrão teria de ser deixado na oficina por uns dias para revisão, mas se ela quisesse, poderia serví-la dirigindo o carro esporte, quando ela desejasse. Aliás, o Jaguar estaria à disposição dela na concessionária: ele o havia deixado lá, muito cedo. Irritada por essa violação de seus pensamentos, como sentia-se violentada nas esporádicas ocasiões em que o marido simplesmente ejaculava dentro dela, respondeu com a afetação social adequada, saber que ele era competente para cuidar de tudo para ela. Num relance, não pôde deixar de perceber que o olhar do motorista sorria, discreto mas malicioso, no reflexo do retrovisor: sim, ele estava encarando sua coxa exposta na casual cruzada de pernas.
Um homem definitivamente feio e que apesar dos esforços, não conseguia esconder a rudeza de sua origem, mas que no último ano tinha-se revelado um serviçal eficiente e ganho definitivamente a confiança do marido.
Tornou a saber-se em território seguro quando sentiu o estofamento do Jaguar prateado abraçá-la e pronta a retornar a seus devaneios sexuais, tão logo escutou o ruído do motor, quente como a respiração de um verdadeiro macho, pensou. Ia partir, quando pelo vidro surpreendeu o obsequioso cumprimento de despedida do motorista sorrindo-lhe solícito naquele rosto tosco. Como voltaria à casa? De ônibus, madame. Não é necessário.
Um tremor de excitação percorreu sua espinha, da nuca ao ânus, quando o motorista, flagrantemente constrangido, instalou-se no assento ao lado. Um cheiro estranho, quase sórdido vinha dele, mas definitivamente masculino ela constatou e a contração de sua vagina confirmou. Sim, que distração imperdoável, havia esquecido de colocar o cinto de segurança. Era somente um profissional capacitado e tinha a obrigação de ensinar, madame, apenas isso.
Estranhamente, as tão familiares despersonalizadas ruas bem cuidadas que levavam ao bairro nobre pareciam agora um misterioso e longo caminho desconhecido. Além de bem treinado, era também o que se chama de um bom piloto? Sim, fanático por automobilismo de competição, quando jovem, havia participado de algumas corridas, porém, sem recursos, não conseguiu fazer carreira. Sempre desejou saber o quanto o Jaguar poderia render, o diriga apenas como um brinquedo de luxo. Poderia mostrar-lhe?
O desconforto dele era indisfarçável, mas o riso quase sádico quando encarou o volante, após trocarem de lugar, a hipnotizou em instantes. Momento seguinte, guincho ensurdecedor da borracha dos pneus no asfalto, era apenas vento em velocidade de sonho alucinado descabelando seu penteado custoso – retas e curvas não importando, o automóvel respondia em harmoniosa obediência à firmeza das mãos do motorista, como um corpo feminino sendo comandado na posse do sexo - e uma sensação embriagante de perigo que fez a umidade de entre suas pernas transformar-se num gozo impossível de ser evitado. Sabia que gritou em algum momento, mas o prazer a ensurdecera a tudo o mais que não fosse a voz da carne em êxtase. A freada brusca, quando chegaram à entrada da casa, ainda a surpreendeu terminando seu orgasmo involuntário. O cachorro do marido olhava com um olhar de reprovação canina, quase tão intenso quanto o da empregada quando viu motorista e patroa. Desculpe se a assustei. Nem pensar, foi delicioso, há tempos estou precisando de emoção em minha vida. Como consegue com tamanha naturalidade? Um carro esporte tem a força do espírito de uma mulher que precisa ser controlado com determinação. Fez de conta que não deu importância a essa observação, mas suas pernas estavam amolecidas enquanto caminhava quase cambaleante em direção à casa.
O relaxamento veio com os filetes de água morna: uma inquietante calma sensual que não experimentava desde os tempos de juventude foi tomando conta de cada centímetro de pele de seu corpo e aos poucos, como uma doença abençoada, foi se infiltrando por suas carnes femininas - sem se aperceber, estava torturando com os dedos seu mais íntimo interior de fêmea, apertando com violência os bicos dos seios - que terminou numa alucinada sinfonia de gritos e gemidos caninos debaixo do chuveiro, a que seus lábios sorrindo estranhos para o espelho concediam uma pervertida aprovação. Enquanto espalhava o caríssimo creme pela pele recordou-se em estranhamento dos tantos anos que não se masturbava com tanto sentimento, justamente por ausência de um incentivo à sua fantasia. Porém, nesses instantes passados, quando relembrou da velocidade do Jaguar prateado pilotado pelo motorista...
Tarde de chá à beira da piscina do clube social, com o galináceo rebanho de enricadas amigas cacarejantes, um compromisso usual que preenchia um de seus tantos vazios cotidianos, sempre encarado com afetada naturalidade. Algo cuja incompreensível futilidade, agora aparecia gigantesca ante seus olhos claros.
Às amigas, pareceria mais um infantiloide e divertido luxo ostentatório, ser conduzida pelo motorista particular. O pretexto de não desejar amarfanhar o delicado tecido do vestido de griffe foi explicação suficiente para a desnecessária, mas sempre culpada, justificativa com que os superiores brindam os inferiores para mostrar que façam o que façam, o fazem porque querem e acima de tudo, podem e que julgamentos, sejam quais forem, são absolutamente irrelevantes e inúteis. Dane-se a empregada, se acreditou ou não.
Algo como uma depravada pervertida de suas clandestinas leituras de juventude tinha se instalado em seu interior, como se um espírito maligno a houvesse possuído. Acabou de urinar e antes de levantar-se do vaso sanitário, cedeu a um impulso transgressivo e abandonou a calcinha no frio do mármore do chão do banheiro. Num instante de resoluta e inexplicável degeneração, saiu: sem enxugar-se. O motorista sentiria o cheiro de fêmea devassa que, sabia estava exalando acima mesmo do perfume francês?
Fantasioso delírio literário juvenil: tanto na ida quanto na volta, o motorista manteve-se impassível na polidez de empregado, apenas respondendo com palavras contadas às perguntas que lhe endereçou. Frustração dolorosa que a acompanhou até os lençóis e de quem a insônia debochou por horas. O zumbido do vibrador que, pela primeira vez introduziu no ânus sem qualquer lubrificação, foi trilha irritante para a auto sodomia que, embora dolorida, trouxe-lhe enfim o sono... inquieto de pesadelos recalcados. Agora, porém, estava decidida sobre o que desejava para as duas semanas de liberdade que a viagem do marido lhe propiciavam e sabia que não iria desperdiçá-las com as fodas cretinas com os amantes imbecis. Eles sempre estariam lá. Mas agora...
O inusitado viera para ficar: novamente sem calcinhas, outra vez sem enxugar-se após urinar. A condescendente petulância com que tratava os serviçais, porém, era mais determinada do que nunca, quando, ao fim da tarde, dispensou a empregada por todo o final de semana.
O coração batia fora de ritmo quando entrou na garagem. O motorista trabalhava no motor do Jaguar prateado. A resoluta insolência afirmou-se prepotente na voz, quando perguntou que espécie de audácia dava a um empregadinho ignorante o direito de insinuar-se à uma dama de sua categoria, comparando a pilotagem de um automóvel ao amor com uma mulher e ainda vangloriar-se de ter controle e domínio sobre ambos? A surpresa do motorista era eloquente no silêncio de sua boca aberta em espanto. Você nunca comandará um Jaguar porque é pobre! E nenhuma mulher com um fiapo de dignidade jamais vai se interessar por um sujeito que além de pobre é feio!
A bofetada arremessou com sonoridade seu rosto no metal moldado em linhas esguias do para-lama prateado. Respirou o brilho da lataria com uma estranha sensação de êxtase e testemunhou com delícia no reflexo da pintura as lágrimas escorrendo grossas de seus agora angustiados olhos claros arregalados em espanto. Pra mim, mulher é tudo puta, com dinheiro ou sem dinheiro, sua vaca riquinha! Como se atreve, seu animal? O vestido leve, rasgado como se de papel, arrancado de um único golpe violento pela mão suja de óleo e graxa. Dedos imundos que se forçaram por sua boca. Vai ofender de novo, vadia? Sente o gosto da merda que tem dentro do cu do teu Jaguar importado, madame. Assim, cara bem assustada, adoro ver isso no rosto das cadelas. Esses biquinhos duros nessas tetas de vaca não deixam mentir: tá gostando, tá gostando, né puta?
Agora era sua bunda sendo amassada contra o frio do metal do automóvel. Os dedos sujos que ela era obrigada a chupar permaneciam remexendo-se em sua boca escancarada, buscando sua garganta. Eram outros que, embaixo, infiltravam-se descuidados pelo vão de suas coxas até encontrarem a abertura de seu sexo. Aqui também não tem enganação: a boceta da madame está toda nojenta de melada. Ou madame não chama boceta de boceta?
Agarrada pelos cabelos, atirada com violência no chão sujo da garagem, respirando como quase afogada, sentiu uma inacreditável quantidade de líquido quente abandonar seu corpo. Cadela mijona, não sabe que o patrão exige que o chão da garagem seja mantido im-pe-ca-vel-men-te limpo? Vai limpar tudinho agora e já, e com a língua. Vai beber todo o mijo de volta, gota por gota. A língua estava incendiada pelo áspero do piso, a garganta fechando-se pelo asco à lama nojenta, mistura de poeira e urina. A mão apertando sua nuca transmitia uma dor insuportável. Seus lábios ardiam sendo esfregados contra o cimento.
Essa bunda de branquinha não é tão gostosa quanto as das meninas lá do lugar de pobre onde vivo e sempre vivi, mas o buraco de cu deve por merda pra fora como todo mundo. Ou será que rico também caga dinheiro? Vamos conferir. Ela não sabia o que era, terrivelmente mais dolorido do que o vibrador. Seu ânus estava sendo arreganhado sem hesitação. Inacreditável quando viu o cabo da chave de fenda rente a seus olhos. Olha aí, olha aí, tem bosta e sangue como no rabo de todo mundo! E nem é sangue azul. A risada era de uma obscenidade primitiva.
De repente, quietude. Apenas sua respiração amedrontada e o salgado das lágrimas insistindo em engasgá-la.
A queimação elétrica do nada espetou-se em suas costas. Sem tempo de terminar o grito, outra em seguida. E a terceira, e a quarta e as sabe lá quantas incontáveis despejadas com um ruído seco e agudo sobre todas as carnes de seu corpo. Borracha inglesa le-gí-ti-ma, madame, lá da terra da rainha. Nem seus mais degenerados pesadelos puderam imaginar algo tão depravado: estava sendo espancada com uma correia de motor. As vergastadas em suas costas e bunda eram uma sucessão de infernais solavancos doloridos. Aterrorizou-se quando percebeu que a excitação de seguir o desconhecido da estrada pavimentada de tijolos de desejos secretos ameaçava sobrepor-se ao medo e ao seu bom senso de mulher frívola. Não aguento mais! Pare, a gente esquece de tudo, não conto nada para o meu marido, te dou um aumento de salário. Ah, a cadela rica que acha que pode comprar tudo com o seu rico dinheirinho nunca adormece, não. Com violência enterrou dois dedos em seu cu: É aqui que vou te enfiar toda a tua fortuna e ainda vai sobrar espaço para o meu caralho. Com automatismo cínico introduziu seu pau enorme naquele rabinho que até agora tinha sido apenas um playground para ingênuas brincadeiras anais de seus amantes. Sentia prega por prega sendo rasgada com precisão mecânica a cada estocada daquela imensa coisa de carne endurecida. Não entro nessa madame, por que sou pobre mas não sou burro e sei que quem aceita ser comprado depois não pode reclamar do preço. Uma coisa que as putinhas casadas como você devem saber muito bem. O grunhido animal em seu ouvido anunciou o dilúvio de esperma incendiada em ardor que inundou seu reto. Numa tonalidade quase surda sussurou: Eu vou gozar. O estampido do tapa em seu rosto interrompeu o natural desenrolar de sensações de seu corpo: Nem fodendo, madame, só goza QUANDO e SE eu deixar. Constatou que meramente por instinto, aquele indivíduo tosco tinha perfeita ciência do que era sadismo sexual: vê-la queimar a alma em gozo era o combustível que alimentava o incêndio de seu saco e a labareda de seu caralho.
Sua respiração começava a retomar um compasso próximo à normalidade, quando novo puxão violento em seus cabelos colocou-a em pé. Não acabou não, madame. Você eu já sei quanto o pode dar. Vamos ver se esse outro brinquedinho de rico aqui consegue mesmo chegar aos 240 quilômetros por hora. Loucura inconcebível: nua, foi atirada no banco do carro. Motor ligado e acelerado como um grito de gozo de fêmea violada. Puxada pelos cabelos e comandada pelas bofetadas foi obrigada a abocanhar aquele pau que, inacreditavelmente, mantinha-se majestaticamente ereto. Pela nuca foi sendo empurrada e obrigada a engolir centímetro a centímetro até sentir que a cabeça do caralho acomodava-se intrusiva na entrada de sua garganta. Vai chupar gostoso, rameira e se atreva a vomitar, que te faço engolir tudo de volta na porrada. Ele continuava despótico em seus ordenamentos, mas agora isso era desnecessário. Ao contrário do que pensam, não é preciso ensinar a fêmea a submeter-se. A submissão está dentro, escondida atrás da mulher: a dor aplicada na dose correta combinada à humilhação a traz à tona. Sua alma entregou-se na primeira bofetada. Agora ela ofertava  a carne do corpo pelo prazer do gozo, pela dor física e pela servidão às sensações clandestinas. A delícia do desprezo a havia infectado e ela sabia que não podia mais, nem desejava, curar-se dessa doença.
Os pneus guincharam um grito agonizado de lamento emborrachado e a velocidade começou a multiplicar-se em seus ouvidos. Noite, sim, mas loucura impensável um automóvel correndo daquele jeito ensandecido pelas ruas da cidade e com uma mulher nua chupando o cacete de um homem que, com movimentos estudados, comandava a máquina e com despotismo indiscutível comandava sua vontade. Quero ver quem é mais rápido: você, sua puta, pra me fazer gozar ou o Jaguar chegar aos duzentos e quarenta? Vamos: corra, madame, corra! Corra, madame, corra! A revelada cadela desprezível não podia decepcionar seu macho dominador e ser superada por uma engenhoca mecânica. Aplicou toda a perícia de lábios e língua que desconhecia possuir e com a fome dos que não desejam ser saciados, empenhou-se como alucinada em cada manobra de sucção que inventava dirigida pela insanidade do prazer, até – a freada do automóvel foi repentinamente seca e violenta - que percebeu o jorro grosso de líquido quente e viscoso inundar-lhe a boca. Engoliu com a sede dos afogados e mesmo sem olhar, sabia que sua boceta (e pela primeira vez na vida, mesmo em apenas pensamento, surpreendia-se definindo seu sexo com aquela palavra que sempre considerou vulgar e suja) lutava contra suas coxas apertadas para abrir sua mais despudorada gargalhada melada. Achou que não tinha porque esconder dele o sorriso de satisfação que seus lábios ostentavam. A mordida no seio, no entanto, foi de uma dor lancinante, originando um grito incrível que não conseguiu gritar para a noite, pois a mão forte do motorista tapava-lhe a boca. As lágrimas vieram desabaladas e cresceram quando viu as gotas de sangue escorrendo do ferimento que reproduzia a série de dentes selvagens que agora lhe riam debochados e ordenavam silêncio. Não interessa, se ganhou, madame, a mulher jamais vai substituir a máquina.
O desprezo na frase escorria nojento e pegajoso como a saliva de um escarro de escárnio.
Foram minutos gigantescos até a volta à garagem. Porta aberta com brutalidade, pontapé estúpido e estava atirada no chão como um trapo. Pelos cabelos, sempre puxada pelos cabelos. Não que a madame, melada como qualquer égua de esquina, precise de mais lubrificação, mas mesmo assim eu ainda quero trocar o óleo. Inacreditável que aquele homem ainda tivesse disposição. Foi jogada no capô do carro. Quente como o inferno. Embora sentisse o corpo dentro de uma fogueira, os seios e a barriga queimando na lataria aquecida, tremia como se exposta a frio extremo e a racha da boceta encharcada era apenas uma pasta de carnes indefesas que foi imediatamente esfaqueada por aquele caralho que agora frequentava seu interior com a desenvoltura do invasor que sabe não encontrará resistência. Foram poucas mas dolorosas estocadas e sim, aquele homem ainda trazia dentro de si uma dose considerável de caldo de macho com que suas entranhas se embebedaram em orgasmos seguidos.
Então, tudo rápido como o inexplicável de uma surpresa. Novamente atirada no chão, pontapés e insultos, o bater da porta do carro, o guincho dos pneus. O silêncio. Cambaleou pela noite até o quarto. O espelho testemunhou imparcial o desenho demente de vergões e hematomas que adornava suas carnes brancas. Nem todo o sabonete, ou o perfume que usou após o banho, conseguiram afastar de suas narinas o odor do desprezo, o odor do desprezo no hálito de repulsa que acompanhou cada palavra de insultuosa humilhação que o motorista lhe dirigiu. Provavelmente jamais aquele aroma de verdade escarrada abandonasse as entranhas de sua alma de mulherzinha fútil. Porém, seria uma secreta cicatriz latejante deliciosa de carregar. A camisola de seda pareceu pedra acomodando-se sobre as contusões de sua pele. Sorriu para seu reflexo um pensamento divertido: certo estava Rimbaud que pregou o desregramento metódico de todos os sentidos. No entanto, estranhamente, adormeceu em paz e dormiu sem sonhos. Não mais precisava deles. Tinha agora sua realidade instransferível: fêmea que um dia se sonhou pássaro e agora se ansiava apenas desprezada cadela.
Despertou serena para a claridade da manhã e as dores no corpo, antes que incômodo, transmitiram-lhe o desejo de acariciar os seios enquanto se dirigia à janela. O que esse brilho ácido, até mais ofuscante que o do sol? Lentamente, andou em direção à garagem com a hesitação do condenado ao encontro do carrasco e... o sol produzindo um cegante reflexo... no metal polido do para-choques do Jaguar. O motorista, braços cruzados em postura desafiadora encostado no luxo do automóvel. Tirou do bolso as chaves do carro e atirou-as em seu rosto. Não sou ladrão, nem estuprador, pode chamar a polícia. Com automatismo de criatura récem nascida como ser constituído apenas de desejos feitos carne, deixou que a seda da camisola escorresse por suas carnes, pôs-se nua com a naturalidade dos demônios, os olhos claros buscaram em torno até localizarem na bancada próxima a correia de borracha. Orgulhosa, empunhou-a ante a face do motorista. Não pronunciou palavra, mas seu olhar suplicante traduzia o pensamento que seu cérebro implorava: Vamos, animal repugnante, me dê tudo aquilo que sabe que eu desejo.
Aborreceu-se quando o marido interrompeu sua leitura de filosofia oriental, justamente no trecho em que dizia que a alma humana só se engrandece no desapego das coisas materiais. Ele a advertia para cuidar da velocidade ao dirigir o Jaguar, para evitar multas como as que trazia na mão. Degustou com afetação o gole de champanhe francês e retrucou de que valia afinal o nosso dinheiro se ainda não consegue subornar radares eletrônicos com a mesma facilidade com que compra os guardas de trânsito? Comunicou ao marido que usaria o carro maior e o motorista. Ele que ficasse com o Jaguar e o mandasse lavar: estava com um cheiro desagradável. Deve ser o motorista, essa arraia miúda cheira diferente mesmo, mas fazer o que, precisamos deles, o marido sentenciou conformado. Foi arrumar-se para a aula de ginástica e com devoção acendeu uma barra de incenso à foto de Imelda Marcos que enfeitava o altarzinho que conservava no quarto.
Com o retorno do marido teve de voltar aos motéis, mas agora, os mesmos de sempre, na companhia do motorista, pareciam, cada qual à sua maneira, diferentes de alguma forma. O marido nunca foi de olhar muito para seu corpo, mas os espancamentos eram menos frequentes e mais cuidadosos (embora cada vez mais deliciosos). Mas, felizmente, ele viajava cada vez mais a negócios.
Respirando forte o aroma de couro do estofamento percebe uma umidade quente encorrendo-lhe pelo meio das pernas. Encara a nuca do motorista e com a frivolidade determinada de sempre, ordena que, enquanto ela estiver na academia, ele pegue o cachorro do marido na pet shop, vá buscar o bracelete de ouro que encomendeu à joalheria e compre uma correia de transmissão de reserva para o Jaguar. Quando percebe o olhar sorridente do empregado encarando-a pelo retorvisor, levanta o vestido e maliciosamente afasta as coxas para mostrar-lhe que está sem calcinhas.
Sabe que permanecerá desempenhando pela vida o papel de mulherzinha fútil, pois a verdade é um preço barato a pagar pela gaiola de ouro, quando se quer ser escravo no conforto da riqueza; os amantes ocasionais para sexo compensatório continuarão a ser utilizados como vibradores orgânicos. Porém, mesmo que ninguém jamais venha a saber, definitivamente, algo alterou-se em seu interior. A colega de ginástica comenta que ela está com um brilho diferente nos olhos e inesperadamente pergunta: você está de amante novo, não? Não, apenas estou aprendendo a desfrutar de toda a potência que o meu Jaguar pode oferecer. E com uma gargalhada de quem valsasse no último baile do Império, sentenciou: Só mesmo pobre para dizer que o dinheiro não traz felicidade!